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“Nós, os Povos das Nações Unidas, resolvidos… a praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros e viver em paz, como bons vizinhos e unir nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais e garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum, e promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.”

Carta das Nações Unidas, de 1945  (1)

Protesto contra armas nucleares - CCD/atomwaffenfrei-jetztHá boas chances para que entre em vigor, já em 2019, o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares (TPNW – Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons), aprovado em 7 de julho de 2017 por 122 Estados em Conferência diplomática da Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de promover a visão de um mundo livre de armas nucleares.

Foram 122 votos a favor, um contra, dos Países Baixos (Holanda), país que guarda as armas nucleares dos EUA/OTAN – Organização do Atlântico Norte –, e uma abstenção de Singapura, um dos pequenos países mais ricos da Ásia, aliado dos EUA.

O anúncio da agência Reuters, em Genebra, sobre este fato baseia-se em notícia divulgada pelo Monitor de Proibição de Armas Nucleares, publicado pela Norwegian People’s Aid (Ajuda Popular Norueguesa), organização social que acompanha o avanço do processo de assinatura, ratificação e entrada em vigor do novo Tratado.

Já ratificado por 19 países, o tratado precisa de 50 ratificações para ser considerado obrigatório entre seus Estados signatários e, assim, ganhar o prestígio de documento válido (ainda que parcialmente) no Direito Internacional Público.

Beatrice Fihn, diretora executiva da Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2017, informou à Reuters que há cerca de 25 a 30 países prontos para ratificar o tratado ao longo de 2019, o que permitiria, já no ano que vem, ultrapassar a marca indispensável de 50 países ratificantes.

O Tratado para a Proibição de Armas Nucleares (TPNW) considera as armas nucleares na mesma categoria de ‘foras da lei’ (outlaw), onde estão as armas biológicas, o gás venenoso, as minas terrestres e as munições proibidas por tratados. O Monitor adverte que o TPNW vai estigmatizar ainda mais as armas nucleares e os países que ignoram o tratado.

O TPNW também proíbe o desenvolvimento, teste, posse, hospedagem, uso e ameaça de uso de armas nucleares. Veda ainda assistir, encorajar ou induzir esses atos proibidos. Ademais, “codifica normas e ações necessárias para criar e manter um mundo sem armas nucleares”, explica o Monitor, que pode ser consultado em <www.banmonitor.org>.

As armas nucleares são tão terríveis que, não raro, provocam a mudança de posição de seus antigos e conhecidos defensores. Um dos casos mais famosos é o de Paul Nitze (1907-2004), ex-assessor estrategista de Presidente Ronald Reagan (1911-2004), que governou os EUA de 1981 a 1989. Secretário da Marinha e depois Vice-Secretário de Defesa, Nitze elaborou e implementou planos de guerra nuclear. Foi o responsável pela criação das primeiras bombas de hidrogênio do mundo e pelo aumento em grande escala dos arsenais nucleares.

Mas, alguns anos antes de morrer, ele mudou de opinião e escreveu: ‘Não vejo nenhuma razão convincente para não nos livrarmos unilateralmente de nossas armas nucleares. Mantê-los é caro e não acrescenta nada à nossa segurança.’ Em 29 de outubro de 1999, Nitze declarou ao The New York Times: ‘Não consigo pensar em nenhuma circunstância em que seria sensato os EUA usarem armas nucleares’, mesmo em retaliação a seu uso anterior contra nós. As já agora antigas palavras de Nitze serviram de resposta à declaração da embaixadora dos EUA na ONU Nikki Haley, feita em 27 de março de 2017.

Ela disse: ‘Não podemos dizer honestamente que protegemos o nosso povo permitindo a maus atores disporem de armas nucleares, e não permitindo o mesmo aos bons, que apenas tentam manter a paz e a segurança.’ Nitze consideraria as palavras de Nikki Haley arcaicas e risíveis em vista da ação devastadora das armas não nucleares disponíveis no Pentágono. Ele repetiria uma frase dita antes, quando já pensava diferente: “Em vista de que podemos alcançar nossos objetivos com armas convencionais, não há razão para atingi-los com o uso de nosso arsenal nuclear.”

Daí que os países hoje detentores de armas nucleares poderiam adotar o novo tratado de proibição aproveitando um argumento de Nitze: ‘A destruição das armas não se mostrou viável [em 1982], mas não há uma boa razão para que isso não seja feito agora’. (2)

‘A comunidade internacional já baniu as outras armas de destruição em massa, químicas e biológicas. Não há motivo para não buscar proibir, igualmente, as armas com maior poder destrutivo, capazes de exterminar a vida na Terra,’ disse o Itamaraty, em nota emitida em 07 de julho de 2017. (3)

Será que o Governo Bolsonaro seguirá por este caminho? Há sérias dúvidas a respeito. Basta ler o que tem se comentado sobre recentes declarações do futuro chanceler Ernesto Araújo, escolhido pelo presidente eleito. O professor e chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Maurício Santoro, por exemplo, anotou: “As opiniões do novo ministro são um ponto fora da curva, fora do debate civilizado mesmo entre governos bastante conservadores. O embaixador Araújo nega pilares da agenda internacional contemporânea, como mudança climática e globalização. Sua afinidade ideológica é com as teorias da conspiração do submundo da internet, não com as negociações nos fóruns multilaterais e nas chancelarias interlocutoras do Brasil.” (4)

Notas e referências

1) Direito e Relações Internacionais, Vicente Marota Rangel (Editor), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, pp. 28-56.

2) John Laforge, co-diretor do Nukewatch, grupo de paz e justiça ambiental em Wisconsin, EUA, edita seu boletim informativo, Counterpuch. 07 11 2018

3) Nota do Itamaraty, de 07 de julho de 2017.

4) “Itamaraty de terceira”, Johanns Eller, Jornal do Brasil, 18/11/2018, p. 15.

José Monserrat Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, no Jornal da Ciência