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O Projeto de Lei da Câmara (PCL) 79/2016 provoca forte debate desde sua rápida passagem pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, no ano passado, direto à sanção presidencial. Depois de recursos ao Supremo Tribunal Federal, o PLC voltou ao Senado, adiando o que era fato consumado, mas pode ser votado a qualquer momento. Segundo especialistas no tema, o texto altera drasticamente a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), com prejuízos ao interesse público.


A primeira mudança proposta é no modelo de outorga do Serviço Telefônico Fixo Comutável (STFC), que deixaria de ser feita em regime de concessão, passando à autorização. Com isso, a gestão fica a cargo da operadora sem que essa tenha obrigações de garantir o serviço onde não houver taxas de lucros atrativas. Para Renata Mielli, jornalista e secretária-geral do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, trata-se de “entrega sem qualquer contrapartida da política de comunicação para o setor privado”. Conforme ela pontua, na autorização, a presença do Estado na regulação do serviço é quase zero. “O fim da concessão é o fim da capacidade do Estado de exigir adoção de políticas públicas que levem o serviço de telecomunicação às pessoas de menor renda, que vivem em cidades afastadas dos grandes centros urbanos”, diz a jornalista.
Dados de 2016 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) somam mais de 41 milhões de linhas de telefone fixo no País, sendo as concessionárias responsáveis por 59,18% delas. Para Bia Barbosa, coordenadora do Coletivo Intervozes, se aprovado, o PLC prejudicará diretamente os usuários. “A população vai ficar à mercê do que o mercado tem a oferecer, e sabemos que o serviço de telecomunicação no Brasil é caro, de péssima qualidade e não chega a todos”, critica.
Para se ter uma ideia do que será o futuro do STFC, ela sugere averiguar a qualidade dos atuais serviços de telefonia e internet móveis, prestados em regime privado e sem controle. Em 2015, a Anatel registrou mais de 1,2 bilhão de reclamações de usuários de celulares. O ranking de fevereiro do site “Reclame aqui” não mostra cenário diferente: o mesmo serviço fica em segundo lugar nas queixas mais reincidentes nos últimos 12 meses.
Em sua edição de estreia, o manifesto do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, em 2006, já sinalizava a necessidade do regime público nas comunicações. “Enquanto a sociedade brasileira for marcada por suas gritantes desigualdades socioeconômicas, exigindo a presença do Estado em políticas que visem diminuir ou mesmo superar a pobreza e a exclusão social, não se poderá abrir mão do conceito de regime público na modelagem normativa das comunicações”, ressalta o documento.

Bens reversíveis
O segundo ponto para lá de questionável do PLC 79 é o não retorno à União dos bens utilizados na prestação do serviço ao final da concessão, como exige a lei atual. Os chamados bens reversíveis são os itens essenciais para a operação da rede. Isso inclui infraestrutura e tecnologia, mas também terrenos e propriedades imobiliárias. Tal patrimônio, que deveria ser devolvido ao Estado brasileiro, foi avaliado em 2015 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em R$105 bilhões.
Esse é o valor que as operadoras de telecomunicações vão absorver. Pelo projeto, as empresas deverão fazer investimento em montante equivalente em tecnologia. Para o professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Marcelo Zuffo, a contrapartida “é uma ilusão”. Conforme ele, “hoje as operadoras já têm essa obrigação e não a cumprem”. O docente, que também integra o Conselho Tecnológico do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), aponta ainda a contradição entre as medidas de corte de gastos anunciadas e o esbanjamento praticado pelo governo. “Ao mesmo tempo em que se estão fazendo fortes ajustes com prejuízo direto ao cidadão comum, existe uma situação extremamente generosa (para as operadoras de telefonia)”, critica.
Para Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Comitê Gestor da Internet, a proposição é incabível, pois “os bens reversíveis são patrimônio público”. Dantas classifica todo o PLC 79 como “abusivo”, uma vez que “não há a certeza de um investimento justo, que garanta comunicação a todos, já que o Estado abre espaço para as regras de mercado”.
Na avaliação do professor, também consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, em vez de passar a telefonia fixa ao regime privado, o debate deveria ser em torno de estabelecer a banda larga como serviço essencial no País, o que está fora da pauta do governo. Dantas também não vislumbra evoluções nesse campo caso seja aprovado o PLC. “Por se tratar das mesmas operadoras, que não terão obrigação de apresentar avanços tecnológicos, a universalização da internet prevista no Marco Civil também está em perigo”, alerta.
Para Bia Barbosa, a aprovação do projeto pelo Senado vai consolidar “a privatização da privatização”. Conforme ela, “sob a desculpa de que é preciso atualizar a LGT e o serviço de telefonia fixa, estão promovendo um desmonte da comunicação e privatizando o resto da infraestrutura que ainda pertencia ao Estado”. O resultado, além dos prejuízos aos cofres públicos, adverte, serão oligopólios ricos e pessoas desconectadas.