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Recentemente, dificuldades para reposição de peças e atualização no supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Tupã, que faz os cálculos utilizados na previsão do tempo no País, foram destaque na imprensa. O fato, que a princípio parece isolado, pode ser apenas a ponta do iceberg da pauperização da instituição.

Profissionais do setor que acompanham de perto esse e outros institutos de pesquisa brasileiros alertam para o risco de eliminação da memória técnica das instituições, que não contratam novos técnicos e deixam de desenvolver projetos por falta de recursos. Com a limitação de investimentos públicos imposta pela Emenda Constitucional 95, promulgada em 15 de dezembro de 2016, a situação tende a se agravar, avaliam especialistas (confira em https://goo.gl/MyEuuQ).

Criado em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros, o Inpe marca o início da pesquisa espacial brasileira, época em que a União Soviética havia lançado o satélite Sputnik 1, conquistado pioneiramente o espaço com o astronauta Yuri Gagarin e enviado à Lua a primeira nave não tripulada. Atualmente, sua missão ainda é produzir pesquisas nas áreas espacial e atmosférica, incluindo o desenvolvimento de satélites, além de oferecer cursos de mestrado e doutorado.

No entanto, existem cada vez menos projetos em andamento e, a cada ano, de acordo com o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), o valor do orçamento é reduzido. “Existe um mecanismo em andamento que não chama a atenção. Diminui-se homeopaticamente o orçamento das instituições que, por sua vez, não têm incluídos seus projetos na dotação da União. Isso criou uma espiral decadente onde não há novos projetos”, explica Ivanil Elisiário Barbosa, presidente da entidade. Na sua opinião, é necessário que se reverta essa tendência, com a demanda por verbas para iniciativas já em andamento.

Quem também aponta redução gradual de recursos é o ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara Neto, que, funcionário de carreira desde 1980, foi gestor da instituição entre dezembro de 2005 e maio de 2012. O orçamento anual chegou a R$ 204 milhões em 2010 (valores não corrigidos), quando foram registrados avanços no monitoramento de florestas por satélites, contribuindo para a redução do desmatamento na Amazônia. Em 2016, a dotação executada caiu para R$ 110 milhões.
Na sua avaliação, também é deletéria para os institutos e prejudica o planejamento de projetos estratégicos para o País a barganha política na qual cargos técnicos no governo são oferecidos em troca de apoio parlamentar. Só nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o Ministério de Ciência e Tecnologia teve seis titulares diferentes – destes uma ministra interina. Com o impeachment e a posse de Michel Temer, a pasta foi fundida com Comunicações, o que gerou protestos de cientistas e pesquisadores no País.

Congelamento das carreiras
Um dos sintomas da falta de recursos e de planejamento, apontada por Barbosa e Câmara, é a perda de técnicos qualificados, agravando-se uma situação iniciada ainda no governo Fernando Collor. Conforme dados do SindCT, a pretexto de caçar marajás, o então presidente – que depois sofreria um impeachment por corrupção –, eliminou 22% do efetivo ligado ao Ministério de Ciên­cia e Tecnologia (C&T). Ainda segundo a entidade, em 1987, o Inpe possuía 2.080 servidores ativos. Atualmente, são cerca de 900 e, de acordo com projeções, levando em conta as aposentadorias e a não contratação, em 2020 serão 520 servidores.

“O Inpe é um estudo de caso representativo de todos os institutos públicos de pesquisa brasileiros, nos quais há décadas existe uma incapacidade de manter uma equipe com quantidade e capacitação”, afirma Barbosa, que atua como engenheiro mecânico do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), instituição que vive o mesmo problema. Em 1990, eram 4.100 servidores ativos, reduzidos hoje a 1.840. Em 2020, pelas projeções, serão 990. Só em 2016, 152 profissionais se aposentaram, o que representou 8,3% do quadro efetivo. Sem concursos desde 2014, o Inpe padece do mesmo problema, perdendo cerca de 15% de seus quadros a cada ano.

Além de abrir seleção pública para suprir a necessidade de técnicos qualificados, é provável que o Inpe precise oferecer remuneração mais atrativa. Segundo Barbosa, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro de Luiz Inácio Lula da Silva, o congelamento das carreiras de C&T deixou os servidores sem reposição por 12 anos, acumulando perda inflacionária de 75,48%. A exceção nesse período foi 2001, quando o governo foi obrigado pela Justiça a aplicar um reajuste de 3,5%. Em 2009, houve conquista significativa e foi concedido reajuste de 100%, que ainda assim ficou 5% abaixo da inflação acumulada. Conforme Barbosa, hoje a defasagem já chega a 28,41% e, em dezembro próximo, deve atingir 33,6%, diante da falta de expectativa de correção até lá.

A reportagem solicitou entrevista com o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, para que esse pudesse comentar a situação do instituto e falar sobre as perspectivas futuras. Segundo a sua assessoria, contudo, não poderia atender por estar em viagem.