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Maior floresta tropical do mundo, que abriga cerca de 20% das reservas de água doce do Planeta, detentora de uma rica biodiversidade, com inúmeras espécies de animais e cerca de 1,5 milhão de diferentes vegetais catalogados, em 5.016.136 milhões de km² em território brasileiro, sendo mais de 30% pertencentes ao estado do Amazonas. Esta é a Amazônia, com base em dados compilados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que o físico Ennio Candotti visa defender e divulgar através do Museu da Amazônia (Musa), dirigido por ele.

Criado em 2009, o museu a céu aberto ocupa 100 hectares da Reserva Florestal Adolpho Ducke, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM). Lá, além de exposições, é proposto aos visitantes conhecer in loco a variedade biológica, com lupas e lentes especiais, mata adentro. “O conhecimento deve ser objeto de pesquisa sempre”, defende Candotti, que é ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em entrevista ao Engenheiro, falando sobre o Musa, políticas públicas, meio ambiente e grafeno (composto químico que, pelas suas características, tem alto potencial de inovação tecnológica).

Como foi a trajetória da física ao Musa?

Os anos de presidente da SBPC me aproximaram muito das diferentes áreas do conhecimento biológico, botânico, ecológico e de meio ambiente. Fiz excessivas viagens à Amazônia devido à publicação especial da revista Ciência Hoje, da qual era editor, em 1984. Quando me aposentei, queria seguir adiante com algum novo desafio nesse tema. A percepção que tinha era de que a Amazônia precisava valorizar a sua floresta perante os olhos da sociedade. De fato, a sociedade brasileira e, particularmente, a amazônica não tem clara ideia do valor da floresta. Então surgiu o projeto de um museu vivo, voltado a popularizar o conhecimento e fazer com que o povo saiba do valor desse patrimônio. Temos uma terra muito rica. Não há outra região no Planeta com semelhança em diversidade biológica, tanto na área botânica quanto na área animal. O Musa quer valorizar o conhecimento decifrado para mostrar as soluções que a própria natureza nos dá. As folhas transformam a energia solar em alimento. Imagine o quanto podemos aprender com a natureza e transferir esse conhecimento ao desenvolvimento de células fotovoltaicas, energias limpas etc..

Por que a ignorância sobre o valor da floresta?

A falta de conhecimento do potencial da floresta nos faz trocar facilmente árvores por reservas de carbono, por cabeças de gado. Isso, sem o devido estudo, causa uma devastação de um patrimônio nacional que é muito superior ao do pré-sal, por exemplo. Concordo que há valor de mercado no pré-sal e é alto. Mas o valor educacional e científico da rara biodiversidade que temos é muito mais alto. São mistérios que só existem nessa região. Precisamos de cada vez mais incentivos para explorar o conhecimento e guardar esse tesouro. A Amazônia é um grande laboratório natural. Tenho a impressão de que os responsáveis, as governanças do País, precisam de mais estudos e mais informações sobre o potencial da floresta, para explorar de maneira correta, tendo a economia em vista, mas, principalmente, desejando manter a riqueza da megadiversidade. Para que não vejamos espécies apenas em livros, e sim existentes.

Na sua opinião, como fica o estímulo à ciência com a Emenda Constitucional 95 que estabeleceu o teto dos gastos públicos por 20 anos?

Por questões econômicas tomaram essa medida que não é boa. E não há em lugar nenhum no mundo um exemplo de que isso traga bons frutos. O princípio coletivo proposto pela nova legislação dos gastos públicos me lembra sempre de um exemplo: eles querem fazer com que o avião voe parado. E sabemos que isso é impossível. Ele precisa de velocidade para essa sustentação. Em todo caso, na área do conhecimento, os gastos realizados antes da emenda já eram muito baixos. Mesmo se multiplicados, ainda seriam uma vírgula perto do ideal. Falta a consciência de que é importante investir em conhecimento. E isso não somente em governanças, políticas públicas. Essas são necessárias, mas falta grande alcance popular para que se tenha engajamento nisso, além das leis e gestões. Precisamos de um projeto nacional que incentive a busca pelo conhecimento. Se não tomarmos a frente, se não valorizarmos nosso patrimônio, ficaremos sempre para trás, apesar da terra rica que temos.

O grafeno presente na Amazônia se inclui nesse potencial de riqueza da região?

Ainda é necessário saber o potencial. O ponto de partida na exploração de qualquer material é ter boas universidades, centros de pesquisas etc. Porque, para captar uma jazida de metal, exige-se proteção do meio ambiente, estudos, exploração primeiramente do conhecimento sobre aquilo. E isso só pode ser feito por pessoas capacitadas. Vejo muita falta de conhecimento de uma maneira razoavelmente fundamental para que isso ocorra da melhor forma, uma utilização sem devastação. Senão, teremos um novo Carajás, com devastações de joias arqueológicas.

Como a engenharia pode atuar em benefício da Amazônia?

Em tudo. A engenharia é o saber fazer. Cientistas podem imaginar um modelo, mas é o engenheiro que por definição faz acontecer, transforma as ideias em fatos. Então, se a engenharia não é quem propõe novas ideias, novos modelos, novas formas de se fazer, se extinguirá. É importante também considerarmos o engenheiro agrônomo como um responsável pela valorização do nosso patrimônio. Se ele não tem os incentivos necessários ao agronegócio, sempre exportaremos os materiais, seremos sempre colônia.

Conheça o Musa:

http://museudaamazonia.org.br/pt/