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Pronto para ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 6.299/2002 – que altera a Lei 7.802/1989, relativa à regulação dos agrotóxicos no Brasil – tem resultado em verdadeira batalha, dentro e fora do Parlamento. Consenso entre especialistas é que pesquisas e tecnologias devem focar a sustentabilidade. Ao encontro do que propugna o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da FNE que vem sendo atualizada desde 2006, cuja nova edição é intitulada “Retomada da engenharia nacional” (disponível em https://goo.gl/81EDZE).
Apelidando-o de “PL do Veneno”, críticos do projeto – de autoria do então senador e atual ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi (PP) – apontam-no como um retrocesso, por exemplo ao modificar a nomenclatura “agrotóxicos” para “defensivos fitossanitários”. Outra controvérsia é quanto a centralizar a coordenação das decisões no Ministério da Agricultura. Enquanto os que defendem o PL acreditam que as mudanças propostas simplificarão processos, sem que isso represente mais riscos, os que se opõem vislumbram nas mudanças propostas a possibilidade de “desmonte do sistema normativo do setor”. A consequência, na avaliação dos últimos, é a flexibilização do uso de agrotóxicos, em detrimento da sociedade brasileira.
O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul (Senge-RS) expressou essa preocupação em carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encaminhada em 26 de julho último. Para a entidade, o exame do PL não tem levado em consideração “importantes manifestações contrárias a sua aprovação, oriundas do meio científico e profissional”. Entre elas, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), do Instituto Nacional de Câncer (Inca), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outras. Os motivos estão expressos em Dossiê Científico e Técnico contra o PL 6.299/2002 e – em contraponto – a favor de outro Projeto de Lei (nº 6.670/2016), o qual institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara). Organizado pelas associações brasileiras de Agroecologia (Abra) e de Saúde Coletiva (Abrasco), o documento reúne 15 notas técnicas públicas das diversas instituições mencionadas (confira em https://goo.gl/Sw9TkE). Logo à introdução, destaca que “há vários anos no Congresso Nacional a bancada ruralista vêm se articulando para desmontar o já frágil aparato regulatório brasileiro, diminuindo a importância das medidas de proteção à saúde e ao ambiente no processo de registro e fiscalização do uso de agrotóxicos em nome de uma suposta desburocratização e produção de ‘alimentos mais seguros’”. Segundo a análise, o “PL do Veneno” representa passo nessa direção.

Alternativa
Em audiência pública na Câmara Municipal de São Paulo sobre a Pnara, no dia 9 de agosto, a professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Mies Bombardi frisou que o País consome 1/5 de todo o agrotóxico produzido no planeta, volume que “dobrou nos últimos 15 anos”. Entre 2007 e 2014, no Brasil, conforme ela, foram notificados casos de 25 mil pessoas intoxicadas em função do produto e de 9 mil tentativas de suicídio por sua ingestão. “Ocorre uma morte a cada 2,5 dias.”
Diante de um cenário que precisa ser alterado, a especialista acredita que a determinação de o “PL do Veneno” proibir substâncias cujo “risco seja inaceitável”, sem especificá-las, “abre uma janela jurídica que não se fecha”. Para ela, uma das estratégias é aprovar, em lugar do PL em questão, a Pnara. Essa prevê, entre outros pontos, “estimular o desenvolvimento e a implementação de práticas e técnicas de manejo sustentável e agroecológico”, bem como a melhoria no controle biológico de pragas agrícolas.
Entre os que acreditam que está havendo uma “má interpretação” em relação ao PL 6.299/2002, o engenheiro agrônomo e professor sênior da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP, José Otávio Menten, discorda dos dados apresentados por Bombardi: “Tivemos nos últimos três anos redução no uso de produtos químicos da ordem de 20% e aumento dos biológicos de 15% ao ano.” Na sua ótica, “é preciso melhorar muito a assistência técnica, mas em geral os produtos que estão registrados e disponíveis têm qualidade. É importante que sejam utilizados de acordo com as boas práticas agrícolas.”

Manejo integrado
Menten pondera: “A ideia de qualquer bom técnico é sempre utilizar todas as outras alternativas antes de prescrever produtos fitossanitários. E um dos aspectos importantíssimos é que a venda só é feita com receita agronômica, que é emitida por um profissional habilitado – e o principal é o engenheiro agrônomo ou florestal.”
Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Paulo Estevão Cruvinel ratifica: “Nossa visão é que se deve trabalhar um modelo de integração dos diferentes manejos para se identificar qual o melhor e o mais recomendado a cada cultura.” Agraciado como Personalidade da Tecnologia em Agricultura pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) em 2000, ele ressalta que a Embrapa tem desenvolvido uma série de trabalhos nos últimos anos, tanto para redução e eficiência na aplicação de agrotóxicos – por exemplo para diminuir os problemas de derivas (quando se ataca um determinado alvo e se atingem culturas vizinhas) e assegurar agricultura de precisão – quanto para sua substituição. “Recentemente foi desenvolvido um controle biológico da cigarrinha da cana-de-açúcar utilizando-se um fungo. E tem várias unidades da Embrapa trabalhando manejo integrado, em que se pega determinada praga ou inseto que vai atacar outra e põe para conviver juntos.”