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A um projeto nacional, a retomada da engenharia é fundamental. Esse foi o consenso extraído durante o painel intitulado “Engenharia e desenvolvimento: brecar o desmonte e voltar a crescer”, durante o X Congresso Nacional dos Engenheiros (Conse), realizado em São Paulo nos dias 13 e 14 de setembro último. O norte à discussão foi dado ao início pelo coordenador da atividade e vice-presidente da FNE, Carlos Bastos Abraham. Ele citou trecho da apresentação da nova edição “Retomada da engenharia nacional” do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, assinada por Murilo Pinheiro, presidente da entidade: “Premissa inescapável de um plano para garantir crescimento econômico e condições de vida digna à população é a retomada da engenharia nacional. Não há hipótese de se alcançar prosperidade e avanço com o desmonte da capacidade tecnológica do País, hoje lamentavelmente em marcha acelerada.” (confira o documento na íntegra em https://goo.gl/e1Bok9).

A conjuntura econômica que leva a este diagnóstico e a política a ser adotada para que o País retome a rota do desenvolvimento foi abordada pelo consultor do “Cresce Brasil” e diretor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Corrêa de Lacerda. Ele lembrou que o Brasil, ao longo do século XX, a partir da crise internacional de 1929, “venceu importante desafio de se transformar de economia primária em industrial”. O País obteve então, como contou o especialista, crescimento exponencial, que se situou, entre 1946 e 1979, em 7,5% na média.

Esse processo foi abalado a partir da crise dos anos 1980, conforme apontou o palestrante, e se manteve. “E mais recentemente vivemos a mais grave crise da nossa história. A queda nos investimentos em infraestrutura é de 25% a 30%, o menor nível já registrado no País.” Entre os problemas, Lacerda salientou a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos sociais públicos até 2036, e a dificuldade de crédito para financiamento. Isso porque a taxa real de juros segue elevada com impactos sobre a produção, o consumo e as inversões – a despeito da redução da Selic de 14% para 6,5% ao ano. “Vemos algum sinal de recuperação, com PIB positivo, mas em base ainda muito baixa.

Os efeitos deletérios se traduzem em grave processo de desindustrialização precoce, voltando aos níveis de dez anos atrás, e, em especial, desemprego. São 27% da população economicamente ativa sem situação regular de trabalho.” Esse contingente de 28 milhões de pessoas engloba os desempregados, os subempregados e os desalentados, que desistiram de buscar uma vaga. Segundo ele, diante de enorme potencial de consumo em um país de 210 milhões de habitantes e queda industrial, o gap tem sido coberto com importação sobretudo de produtos da China. A consequência é um déficit “monstruoso” na balança comercial de manufaturados, cujo efeito, de acordo com sua explanação, “só não é maior” por conta da agricultura e do setor de mineração.

Autor de nota técnica para a nova edição do “Cresce Brasil” sobre o tema, ele vaticinou: “A saída é mudança radical nas prioridades da política econômica. Foram pagos no ano, em juros da dívida pública, cerca de R$ 400 bilhões, e o Estado investiu pouco mais de R$ 20 bilhões. É preciso derrubar a Emenda Constitucional 95 e repensar a estrutura dos gastos públicos, assim como as políticas monetária, industrial, comercial, de ciência e tecnologia. O papel dos bancos públicos é fundamental.” E complementou: “Falar em retomada do crescimento e desenvolvimento passa pela reindustrialização, mas em bases diferentes, diante da indústria 4.0, nanotecnologia, internet das coisas.”
Lacerda ponderou que parte dos empregos perdidos com a crise não serão recuperados, em face às novas tecnologias, fenômeno mundial. A saída adotada por diversos países tem sido redução de jornada sem diminuição de salário – bandeira histórica do movimento sindical – e renda básica de cidadania. Na sua ótica, esses temas “podem e devem ser enfrentados. Temos que aproveitar esta oportunidade. Cabe a nós abrir espaço maior para essas discussões, que não se restringirão ao período eleitoral”.

Resgatar engenharia
Também consultor do “Cresce Brasil” e autor na recente edição da nota técnica “Venda de controle acionário da Embraer para Boeing: contexto e desafios para o governo brasileiro”, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marco Aurélio Cabral Pinto ressaltou que o quadro nacional não pode ser compreendido fora do contexto internacional. Na sua concepção, é crucial recuperar o pacto político e rever o federativo, assegurando protagonismo aos estados e municípios – ao que a engenharia é fundamental . “Sem isso, não será possível retomar um projeto nacional, com planejamento participativo com ênfase na infraestrutura urbana, na direção de atender as demandas da população. Inúmeras ações revertem rapidamente em emprego e percepção de desenvolvimento social.” Sob esse horizonte, Cabral Pinto defendeu como central “a retomada da garantia de conteúdo nacional ao futuro do País e o fortalecimento das instituições públicas”. Entre elas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao financiamento de projetos e investimentos em prol da sociedade.
A proposta é avalizada por João Alfredo Delgado, diretor executivo de tecnologia da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Como ressaltou ele, perdeu-se a capacidade de planejar e fazer projetos. Enquanto isso, de acordo com sua palestra, só em rede de esgotos, há 300 mil quilômetros por fazer no País, e em água, 200 mil km – e a Medida Provisória 844/2018 (que altera o marco regulatório do setor) vai na contramão dessa demanda. “É preciso resgatar a engenharia nacional. Sem investimentos em infraestrutura e conectividade por exemplo no campo, vamos perder o bonde da história. Temos que definir se queremos ser tecnologicamente modernos ou não.”

Destravar obras paradas
O painel trouxe ainda o tema premente da retomada dos milhares de obras paradas no País. “É um prejuízo enorme, e a sociedade é quem paga por isso”, enfatizou o deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL), integrante da Frente Parlamentar Mista da Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional. O consultor do projeto “Cresce Brasil” Artur Araújo observou que hoje “essa infraestrutura está se deteriorando em velocidade acelerada”. Lessa enumerou várias razões para tanto, como burocracia, falta de projeto executivo, corrupção. E foi categórico: “Se houvesse carreira pública de Estado para engenheiro não haveria tanto problema. Precisamos de um projeto para o País que passa por manter a Embraer e as empresas estatais, como Eletrobras e Petrobras, bem como pela volta das ferrovias.” Autor de nota técnica para a nova edição do “Cresce Brasil” intitulada “Os desafios da Frente Parlamentar da Engenharia”, Lessa concluiu: “O Congresso Nacional é impulsionado pela força da sociedade, vamos construir um futuro melhor.”
Como frisou Araújo, está nas mãos da categoria oferecer ao futuro governante, como saída à recuperação econômica do País, a retomada das obras paradas. “O investimento é menor, já que parte já foi feita, é muito mais rápido e fácil, além de boa parte já estar licitada.” Nesse caminho, o consultor do “Cresce Brasil” apontou a necessidade de se definirem alguns critérios, como iniciar a retomada pelas obras que gerarem mais empregos, assegurarem compra de mais insumos nacionais, tiverem maior impacto sobre a cadeia produtiva e na vida do cidadão.
A solução é defendida ainda por Fernando Mentone, presidente do Sindicato Nacional de Engenharia e Arquitetura Consultiva – Regional São Paulo (Sinaenco-SP). Conforme ele, apesar de lenta recuperação, com crescimento de 0,2% do PIB nacional, na indústria da construção civil a marcha ainda foi descendente no segundo trimestre de 2018: menos 0,8% em comparação ao primeiro, que “já acumulava queda de 1,7%”. Enquanto começa a haver alguma retomada no faturamento de pequenas e médias empresas do setor, o mesmo não ocorreu até o momento no segmento de consultoria, que vivenciou queda entre 2011 e 2017 de 65%. Para ele, é fundamental retomar a engenharia, com planejamento, investimento em projeto e regras claras.

Confira as apresentações dos palestrantes


Antonio Corrêa de Lacerda

Marco Aurélio Cabral Pinto

João Alfredo Delgado

Fernando Mentone