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Apesar de defendido há anos por especialistas, programa que poderia minimizar a falta de moradia digna no Brasil ainda continua praticamente sem sair do papel: a recuperação de imóveis vazios e adequação de moradias precárias, ao que a engenharia pública é fundamental. Enquanto isso, o déficit habitacional no País cresceu 0,3% entre 2014 e 2015, segundo a Fundação João Pinheiro, alcançando 6,355 milhões de domicílios.

O aumento se deu em 20 dos 27 estados brasileiros, segundo a mesma instituição. Entre as regiões metropolitanas, a única em que houve redução foi Curitiba (PR).
O tema voltou à baila após incêndio e desabamento em 1º de maio – Dia do Trabalhador – do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no centro da capital paulista. O prédio da União estava abandonado há 17 anos e, diante da ausência de política pública adequada que as contemplasse, centenas de famílias sem teto ocupavam o local, vivendo em condições precárias. O Estado de São Paulo tem o maior déficit absoluto do País – em torno de 1,3 milhão de unidades habitacionais –, mais da metade do total da região Sudeste (2,482 milhões), a grande maioria na área urbana. Em relação ao total de domicílios permanentes e improvisados, o campeão é o Maranhão (20%), seguido por Pará (15,3%), Amazonas (14,5%) e Roraima (14,2%). O percentual em São Paulo é de 8,8%. Os dados da Fundação João Pinheiro reforçam a urgência de se adotar política de Estado, de Norte a Sul, que contemple a engenharia pública.
A Lei Federal 11.888/2008, que assegura às famílias de baixa renda tal assistência técnica pública e gratuita para o projeto e construção de habitação de interesse social, está em vigor desde meados de 2009. Todavia, à exceção de iniciativas pontuais, não tem sido aplicada ao longo desses anos, segundo Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp). Autor da nota técnica sobre engenharia pública que compõe o “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento – Cidades”, publicado em 2016 pela FNE (confira em https://goo.gl/jVfhED), ele cita por exemplo o caso do município de Bauru, no interior paulista, em que a assistência prevista na lei funcionou por dois anos – até 2013 – para atender famílias com renda até
R$ 1.600,00 em dois programas de regularização de imóveis com até 100 metros quadrados. “Tivemos 970 famílias atendidas no período.”
A engenharia pública está ainda prevista dentro do programa federal “cartão reforma”, que atende famílias com renda bruta até R$ 2.811,00. Lançado em 2016, esse destina 15% do valor aprovado a adequações no imóvel para a assistência técnica gratuita. O Ministério das Cidades divulgou em abril último a lista de 162 municípios em que foram selecionados projetos, que devem totalizar R$ 178,5 milhões. Não obstante, seu alcance é bastante limitado e a demora na liberação dos recursos não dá conta da emergência do problema.

Soluções
Segundo o relatório da Fundação João Pinheiro, “o Brasil possui 7,906 milhões de imóveis vagos, 80,3% dos quais localizados em áreas urbanas e 19,7% em áreas rurais. Desse total, 6,893 milhões estão em condições de serem ocupados, 1,012 milhão estão em construção ou reforma”. O compilado baseia-se na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE) 2015.
“É preciso aproveitar oportunidades para criar unidades habitacionais nos espaços vazios, colocando as pessoas num local da cidade que já tem os serviços e equipamentos públicos e possivelmente mais perto do seu trabalho, reduzindo os deslocamentos. A questão constitucional dos prédios que não cumprem sua função social não é bem administrada”, enfatiza Kirchner. E completa: “Há cidades que mesmo timidamente já aproveitaram imóveis abandonados, sem IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) em dia. Dá para fazer mais ações com menos dinheiro do que aquele gasto em construção de novos imóveis, que inflacionam o mercado”, destaca.
Para a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, “o erro histórico da política habitacional no Brasil é achar que um modelo único, de produção de conjunto de casa própria, acessado por crédito hipotecário, vai enfrentar as nossas necessidades, que são variadas, múltiplas. Uma das soluções é a reabilitação usando parte dos domicílios vagos e prédios vazios para ofertar moradia na área central. Além disso, tem que ter urbanização e regularização de favela, construção de conjuntos novos etc.”.
Outra possibilidade, em que a engenharia pública seria fundamental, é a autoconstrução. “No Brasil quem construiu moradia de interesse social foram os trabalhadores e a população de baixa renda, só que nas piores localizações e sem nenhuma assistência. Ter uma política que disponibiliza áreas com infraestrutura, aporta recursos e assistência técnica de engenheiros, de arquitetos para autoconstrução é muito importante para enfrentar o déficit”, avaliza Rolnik. De acordo com Kirchner, o profissional pode atuar ainda a exemplo do médico da família, indo às casas em condições precárias, realizando um diagnóstico e tornando-as adequadas à moradia.
No caso da construção personalizada e com acompanhamento de profissional qualificado, modelo bem-sucedido é o Programa de Moradia Econômica (Promore), que já assegurou atendimento a milhares de famílias. Instituído pelo Seesp em 1988 inicialmente em Bauru, foi implementado depois em diversos outros municípios do interior do estado em que o sindicato tem delegacias, em convênio com as prefeituras.