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Pesquisadores de todo o Brasil e entidades científicas e acadêmicas realizaram nesse domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo, a 3ª Marcha pela Ciência. Organizada pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), a passeata, que contou com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), teve como mote os cortes anunciados pelo Governo Federal na PLOA 2018 (Projeto de Lei Orçamentária Anual) e a reversão imediata do contingenciamento dos recursos neste ano, a revitalização dos institutos de pesquisa do estado de São Paulo e o desmonte das universidades públicas em todo o país. A Unicamp e a Unesp disponibilizaram ônibus aos manifestantes.

Reunidos em frente ao Masp desde o início da tarde desse domingo, a Marcha começou oficialmente às 15h e, em uma hora e meia de trajeto, denunciou os impactos que a escassez de recursos causará nas pesquisas essenciais para o desenvolvimento brasileiro. Com cânticos e cartazes bem-humorados, o ato angariou a participação de outras pessoas que se divertiam domingo à tarde na Paulista aberta.

Para Helena Nader, presidente de honra da SBPC e professora titular da Universidade Federal de São Paulo, o governo comete grave equívoco ao enxergar áreas estratégicas para o desenvolvimento do país como gasto público, ao invés de investimento.

“Estamos na rua pelos cortes contínuos que o governo tem feito na Ciência. A consideração que o governo, em todos os níveis, está tendo de enxergar a ciência como despesa e não investimento. Então, nós temos que reverter isso porque hoje o mundo vive a sociedade do conhecimento. Conhecimento é moeda, é valor agregado; e o Brasil vai na contramão. Hoje, os demais países do Brics investem muito mais na Ciência que o Brasil, que está andando para trás. Então nosso mote é o grito por recurso para trabalhar nesta área estratégica de nosso país. ”, bradou.

No evento de divulgação do Facebook, os organizadores sugeriram que as pessoas fossem vestindo preto, simbolizando o sentimento de luto que as medidas anunciadas trazem para a Marcha.

Em uníssono, as aproximadamente duas mil pessoas presentes mandavam o recado à nação: “Ciência é investimento e desenvolvimento”.

Segurando um cartaz com os dizeres “Contra o desmonte das universidades públicas em todo o país”, o professor e pesquisador da Unicamp Luiz Carlos Dias corrobora: “O impacto (dos cortes orçamentários) será tenebroso. Está em curso um desmonte das instituições públicas de ensino; nós teremos problemas seríssimos nos próximos anos com as nossas universidades públicas à míngua; nós já estamos perdendo cérebros para o exterior e isso vai se agravar.”

Concomitante à mobilização das ruas, os pesquisadores reiteram as atividades e os protestos institucionalmente. Recentemente, 23 vencedores do Prêmio Nobel endereçaram carta ao presidente Michel Temer pedindo a reversão do contingenciamento, bem como a revisão da proposta orçamentária anunciada para o próximo ano e esclarecendo, mais uma vez, a importância do fortalecimento da área para o desenvolvimento do país.

A SBPC, junto a outras cinco entidades representativas da comunidade científica, tecnológica e acadêmica brasileiras e dos sistemas estaduais de ciência, tecnologia e inovação também enviaram, no último dia 6 de outubro, carta ao presidente solicitando a liberação do restante dos recursos do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e das universidades públicas federais.

Recentemente o Ministério do Planejamento desbloqueou R$ 440 milhões para o MCTIC. A medida, que tem potencial para o pagamento das bolsas do CNPq até o final do ano, foi vista como paliativa e muito aquém dos R$ 2,2 bilhões solicitados pelas entidades para atender às necessidades do setor em 2017.

As articulações não devem parar e no próximo dia 10 de outubro uma audiência pública na Câmara dos Deputados vai pautar o corte. Na sessão, todas as entidades do movimento científico e estudantil estarão presentes. Ainda neste mês, entre os dias 23 e 27, ocorrerá a Semana Nacional pela Ciência e Tecnologia e, no dia 25, todas as universidades farão atividades.

O Secretário Geral da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, Rogean Vinicius Soares, alerta para a importância dessas mobilizações em diversos espaços.

“Se não houvesse lá atrás o investimento em ciência básica nós não teríamos garantido o controle da epidemia do Zika Vírus e mesmo que o estado brasileiro não tenha investido tanto quanto desejamos, foram os cientistas brasileiros que conseguiram fazer a relação do Zika com a microcefalia e isso mostra a capacidade dos cientistas brasileiros, de com poucos recursos conseguirem devolver o papel social da ciência.”

O ato seguiu até a Praça do Ciclista, fazendo o retorno para a segunda parte, quando os manifestantes pararam em frente ao escritório da Presidência em São Paulo, convocados para um jogral, num claro recado ao presidente Michel Temer, chamado pelo pesquisador Philipe Pessoa, da ANPG.

“Acorda governo brasileiro! Sem ciência não tem futuro. Os cortes da ciência vão na contramão dos países desenvolvidos e dos países do Brics. 23 prêmios Nobel escreveram para o senhor pedindo reversão dos cortes na ciência, assim como academias de ciência de todo o mundo. A nossa luta não é por salário, a nossa luta é por condições trabalho; pelo desenvolvimento do Brasil. Um, dois, três, quatro, cinco mil, se corta a Ciência não avança o Brasil.”

A marcha seguiu seu trajeto de volta ao ponto inicial em frente ao Masp, comemorando o sucesso da mobilização e finalizando num outro jogral, também puxado por Philipe.

Para Giulia D’Angelo, pesquisadora de biologia animal da Unicamp, a Marcha realizada tem papel importante na mobilização contra os cortes do setor.

“Uma coisa de suma importância é nossa comunicação para fora da academia, mais aberta; não adianta nós cientistas trabalharmos só para a área acadêmica, eu acho que nós precisamos explicar para nossa família o que fazemos, conversar com os vizinhos e investir muito mais na tradução da linguagem científica para a popular”, defende.

E prossegue: “As pessoas não sabem o que significa a pesquisa. A maior parte das pessoas não está sentindo esse corte, porque não acha que seja uma coisa tão importante assim; nós estamos tentando falar agora, com a crise já estourando, mas nós precisamos falar constantemente, com crise, sem crise, temos que estar mais próximos da população, para popularizar o conhecimento científico”, sentencia a cientista.

A organização criou uma página de arrecadação para o evento e viabilizou impressão de material de divulgação, uma oficina de confecção de cartazes e outros custos diversos. A arrecadação possibilitou uma maior mobilização nas redes e na imprensa, alavancando o alcance e o número de participantes na Marcha, celebrada pelo professor Marcos Buckeridge, professor da USP e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

“Acho que a marcha foi um sucesso. Superou nossas expectativas. Nas duas primeiras, houve adesão de 200 e 500 pessoas, respectivamente. Agora, com aproximadamente 2 mil pessoas, podemos nos fazer mais ouvidos e podemos prometer uma atuação ainda mais forte, pensando até na quarta marcha”, comemorou, encerrando e convocando os colegas para a dispersão.

Marcelo Rodrigues – Especial para o Jornal da Ciência