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Três renomados analistas políticos e do mundo do trabalho deram uma aula sobre como se fazer, e como não se fazer, política. O Painel II do X Congresso Nacional dos Engenheiros (Conse) demonstrou o cenário, fez apontamentos sobre consequências, teceu críticas, montou estratégias, além de conceder dicas preciosas aos dirigentes sindicais presentes. O caminho das pedras para a retomada do crescimento, segundo o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, se resume a cinco pontos, ou “pedras” como disse: resistência, ressindicalização, criação de novas receitas, efetivo exercício do poder legal e participação ativa na campanha eleitoral.

Intitulado “Desafios do movimento sindical: resistir e defender os trabalhadores”, o painel  contou com a presença  de Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e Ivani Contini Bramante, desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região. Os diretores da FNE, Antonio Florentino de Souza Filho, Maria de Fátima Ribeiro Có e José Carlos Rauen,  contribuiram ao final das exposições,  convergindo para as conclusões dos especialistas.

Desmonte do Estado e futuro em risco

Toninho do DiapUm panorama crítico da situação brasileira foi traçado por Toninho do Diap, ao mostrar que Estado, sociedade e mercado estão em crise. Se de um lado há uma crise fiscal aguda, cobrando um ajuste duro,  há um governo incapaz de promover ajuste em contexto democrático, além das diversas demandas sociais em tempos de escassez de recursos. Ele avalia que os  três poderes se organizaram para promover o desmonte do Estado. O Executivo, por exemplo, faz o ajuste fiscal com prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), até 2023, que permite que a União utilize livremente parte de sua arrecadação, ampliando de 20% para 30% o percentual que pode ser remanejado da receita de todos os impostos e contribuições sociais federais. A Emeda Constitucional 95  congela os gastos públicos nos próximos 20 anos. Um conjunto de leis na área de Refis e concessões fiscais facilita a arrecadação de recursos provisórios ou extraordinários;  novos recursos vieram da venda de ativos, patrimônios e  concessões, sendo "tudo receita provisória, nenhuma receita permanente" - criticou.

O poder legislativo, em sua análise, se encarregou da chamada melhoria de ambiente de negócio, com aprovação da reforma trabalhista, terceirização, abertura do pré-sal para transnacionais, mudanças em marcos regulatórios na área de energia e gás; entre outras medidas. Já o poder judiciário deu sustentação às ações dos outros dois poderes,  como fez  recentemente ao declarar constitucionaisl a reforma trabalhista e a terceirização.

Em jogo nas atuais eleições, estão três projetos, segundo ele: um de retomada do papel do estado, como provedor de bens e serviços para a população, representado pelos partidos de esquerda e centro-esquerda; um denominado liberal-fiscal que é o do atual governo federal, que reduz o papel do Estado e dos serviços públicos a partir do fundamento de que onde há estado há corrupção, portanto, vamos eliminar o Estado. Esse projeto ignora que tem uma parcela significativa da população que depende fortemente do Estado e sem isso a paz social no Brasil não se sustenta”.  E há um terceiro projeto que, em sua definição, “é o que propõe um estado penal, que conjuga duas situações, no caso brasileiro: além de perseguir e punir, com repressão e criminalização da pobreza, tem uma visão de que o Estado é muito mais danoso do que a visão liberal-fiscal”.

Tudo isso se dá em um ambiente em que não há o debate de ideias e esclarecimento dos interesses que estão por trás das ações recentes do governo, induzindo as pessoas a fazerem julgamentos morais e não mais a debaterem as propostas e soluções em si. “Num ambiente desse o que importa é dividir as pessoas, interditar o debate e despertar reações, incitar comportamentos dos mais primitivos do ser humano, sentimentos de rejeição e até de ódio contra pessoas e instituições que têm uma visão oposta”, ponderou.

Toninho prevê a retirada de direitos, como a reforma da Previdência, com os seguintes ingredientes: congelamento dos recursos governamentais (Emenda 95) em um momento em que a receita está lá embaixo, desemprego muito elevado, onde o orçamento é corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) e os benefícios pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC); autorização para transferir recursos de um setor ao outro. “A Previdência, com o passar dos anos, demandará mais recursos, já que a correção dos valores é feita com índices diferentes e novos beneficiários entram a todo momento. Para completar o pagamento dos benefícios precisará retirado recursos de outras áreas como saúde, educação, moradia, mobilidade. Com isso, vai chegar um momento que todo o orçamento público estará sendo consumido pela Previdência e o governo vai dizer que o problema é a Previdência e apresentará novamente a reforma como solução”, alertou.

Para o movimento sindical, ações de curto, médio e longo prazo

Em um quadro de crise profunda, o painel reforçou a necessidade de se manter na pauta da ação política sindical a defesa da reforma do Estado, de modo a se recuperar a capacidade de investimento em favor da sociedade,  e de pressionar por uma reforma tributária que defina fonte de tributação e finalidade dos recursos.

Painel II do XConse. Por Beatriz Arruda

Para enfrentar a crise gerada no movimento sindical, especialmente as perdas impostas pela reforma trabalhista, o painel gerou recomendações práticas e estratégicas, de aplicações, imediatas ou de médio e longo prazo, voltada ao fortalecimento sindical. Vargas Netto chamou a atenção das entidades para os aspectos legais que ainda foram preservados para atuarem em favor do trabalhador. "Temos que exercer todos os poderes legais que foram mantidos, conclamou, citando o direito de fazer as assembleias com os trabalhadores. "Na hora de assinar acordo,  é o sindicato que tem que ir assinar;  homologar. E se a lei diz que  o sindicato não precisa ir, pode-se exigir em acordo coletivo que isso seja feito", exemplificou. "A estrutura sindical tem poder", frisou, e os sindicatos devem valer-se dele.

Como ações institucionais, foram enfatizadas algumas urgências, como a de se garantir novas fontes de recursos e promover campanhas permanentes de filiação. A prestação de serviços e vantagens econômicas para sindicalizados, a partir de convênios, a alocação de eventuais espaços físicos, devem ser valorizados. Também é importante manter diálogo com parlamentares e buscar apoio dos candidatos nas eleições atuais sobre a pauta dos trabalhadores, criando-se também espaços de mediação em parceria possíveis com organismos como o Ministério Público. Ainda no curto prazo, as entidades devem reforçar a assistência aos desempregados até a sua colocação ,favorecendo a continuidade do associativismo.

A médio prazo, as entidades podem fazer planos de negócios, tal qual  fazem as empresas. Devem preparar formadores nas entidades para qualificarem suas bases e dirigentes, buscando desenvolver um  programa de formação politica cívica e cidadã amplo, melhorar a comunicação interpessoal e institucional, além de capacitar seus quadros para a busca de soluções e alternativas.

A longo prazo, tanto do ponto de vista político quanto institucional, o movimento sindical precisa recuperar sua atuação e protagonismo, bem como suas capacidade de mobilização e articulação, valendo-se da formação feita no médio prazo. É preciso assegurar a fonte sustentável de custeio, ampliar lastro com as bases, incluídas as famílias dos trabalhadores, além de promover alianças com outras forças sociais e participação em espaços institucionais.

O painel gerou exemplos na busca de novas fontes de custeio. A lei permite que a empresa procure o sindicato para fazer a quitação dos haveres trabalhistas na rescisão contratual . “Muitos sindicatos de trabalhadores estão negociando com os patronais, criando uma comissão de homologações de rescisões contratuais, homologações de acordo extrajudicial de despedida e de quitação anual dos haveres trabalhistas, e cobrando por esse serviço prestado", disse a desembargadora Ivani Bramante do TRT da 2ª Região. "Isso pode ser colocado na norma coletiva, a criação da comissão e dessa taxa”, argumentou.

A magistrada elencou os pontos da reforma trabalhista que impactam no sindicalismo, como o custeio sindical, com o fim da contribuição sindical compulsória, e atuais impasses que podem ser resolvidos em assembleias de trabalhadores e com a  inclusão dos itens no Acordo Coletivo de Trabalho. Exemplos são a extensão da contribuição sindical aos associados ou a inclusão do trabalhador hipersuficiente (que recebe acima de R$ 12 mil) no Acordo Coletivo de Trabalho, uma vez que pela reforma trabalhista ele pode realizar negociação direta com o empregador.  “É possível que um engenheiro seja contratado com salário acima de R$ 12 mil, mas fique fora do Acordo coletivo que lhe daria direito aos benefícios como plano de saúde e cesta de alimentos”, observou Ivani Bramante.

 Deborah Moreira - Comunicação Seesp