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Com o objetivo de apresentar uma “alternativa viável” à crise que assola o País, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira elaborou o “Projeto Brasil Nação”, cujo manifesto foi lançado em 27 de abril último, em São Paulo. “Temos que mostrar que é possível uma coisa diferente no plano fundamental, que é o econômico”, afirma o professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, que já ocupou os ministérios da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia.

Nesse campo, são cinco pontos essenciais que obedecem ao modelo teórico do novo-desenvolvimentismo, criado por Bresser-Pereira: “regra fiscal que permita a atuação contracíclica do gasto público e assegure prioridade à educação e à saúde; taxa básica de juros em nível mais baixo; superávit na conta corrente do balanço de pagamentos, necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva; retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade; reforma tributária que torne os impostos progressivos”.

Em entrevista ao Engenheiro, o ex-ministro enfatizou a importância de se ter um câmbio que garanta equilíbrio industrial e a necessidade de se neutralizar a doença holandesa. Também criticou a irresponsabilidade fiscal, na qual Dilma Rousseff teria incorrido gravemente, mas condenou a “cretinice” da Emenda Constitucional 95, de Michel Temer, que limita à inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) o teto dos gastos públicos pelos próximos 20 anos. Na conversa, Bresser-Pereira afirmou ainda a importância dos engenheiros para o planejamento nacional. Confira os principais trechos a seguir e leia a íntegra aqui.

Novo-desenvolvimentismo
Desde 2001, eu venho desenvolvendo um sistema teórico que acabou recebendo o nome de novo-desenvolvimentismo. As empresas no Brasil têm uma grande desvantagem na competição internacional, porque existe uma tendência à sobrepreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. A taxa de câmbio tende a permanecer apreciada durante vários anos, num quadro de déficit em conta corrente que os economistas chamam de poupança externa. Depois, as dívidas vão se acumulando até que um dia os credores suspendem a rolagem. Então, quebra o País ou as empresas ou ambos. Aí, há uma depreciação violenta. Quando a crise começa a se arrumar, a taxa de câmbio volta e se repete o ciclo.

Taxa de câmbio
Essa teoria é inovadora, porque coloca a taxa de câmbio no centro da macroeconomia como parte da função de investimento. Se a taxa de câmbio estiver apreciada no longo prazo, o empresário, fazendo as contas, vê que é mais barato aos seus concorrentes exportarem para o Brasil, então ele não investe. A taxa de câmbio equilibrada ou competitiva hoje seria de R$ 4,00 por dólar. Com isso, terei 1% de superávit em conta corrente. Se você estiver no equilíbrio corrente, isso continua inviabilizando a indústria. Então, preciso do valor equilíbrio industrial.

Neutralizar a doença holandesa
Em 1967, o (Antônio) Delfim Netto (então ministro da Fazenda) fez um subsídio à exportação de manufaturados com tarifa média de 45%. O resultado foi explosivo. Em 1965, as exportações de manufaturados correspondiam a 6%; em 1990 chegamos a 62%. Hoje, deve estar perto de 30%. A forma mais correta não é o subsídio, que hoje é proibido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, se colocar um imposto sobre a exportação de commodities variável conforme o seu preço internacional, neutraliza-se completamente a doença holandesa – a desvantagem competitiva dos países com abundância de recursos naturais que lhes permite produzir commodities baratas que podem ser exportadas com taxa mais apreciada que a necessária para os produtos com tecnologia.

Crise
Estamos numa grave recessão que começou no segundo semestre de 2014. Mas estamos numa situação de semiestagnação desde 1990, devido à armadilha de câmbio apreciado e juro alto. A partir de 1990, o Brasil entrou – e até hoje não saiu – de um regime de política econômica liberal. A mudança acontece quando o (Fernando) Collor chega ao poder e faz a abertura comercial violenta e, em seguida, a financeira. Em 1995, Fernando Henrique (Cardoso) faz a privatização dos serviços públicos monopolistas e elimina o conceito de empresa nacional. Em 1999, ele mesmo faz o tripé macroeconômico: superávit fiscal, meta de inflação, que gera o juro alto, e câmbio flutuante. O Lula (Luís Inácio Lula da Silva) manteve o modelo liberal igualzinho, a única coisa que fez foi aumentar o salário mínimo e o bolsa-família, portanto foi distributivista. A Dilma (Rousseff) tentou mudar, baixou a taxa de juros, mas não fez o ajuste fiscal, fez expansão de gasto. E a recessão se agravou muito no início do segundo mandato dela com o (ministro da Fazenda) Joaquim Levy, que, em cima de uma crise brutal, fez um ajuste violento.

Juros
Precisa ter uma taxa de juros baixa. A taxa real hoje deveria ser em torno de 2%, o que refletiria a nossa condição de país de renda média.

Responsabilidade fiscal
Sou crítico do pensamento neoclássico ortodoxo, mas também do keynesianismo vulgar da esquerda populista que resolve todos os problemas com gasto público. O Estado deve ter responsabilidade fiscal, mas não essa cretinice que foi feita pelo Governo Temer com o limite do teto de gastos. Você pode fazer um teto em termos percentuais, mas em termos fixos é um contrassenso.

Engenheiros
O papel dos engenheiros é absolutamente fundamental. Há setores competitivos e outros, não. No setor competitivo, a regra fundamental é dá-lhe mercado. Nos demais, precisa ter coordenação direta e planejamento do Estado. Para isso, é fundamental que haja um corpo de engenheiros muito competentes, que sejam capazes de fazer pré-projetos e a avaliação de tudo. Além dos engenheiros dos quais as empresas precisam muito, temos que ter engenheiros no Estado. Deveríamos ter uma carreira muito maior de gestores engenheiros. Engenheiro é não só quem desenvolve tecnologia, mas quem faz planejamento.