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Aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer em 6 de junho último como Lei 13.448/2017, a Medida Provisória (MP) 752/2016 – que abrange a renovação antecipada das concessões no setor ferroviário, incluídas no chamado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) – não soluciona os problemas decorrentes da privatização no segmento nos anos 1990, na contramão do interesse público. Contém uma série de violações constitucionais e deve ser impugnada.

 

É o que propugna Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.684 (Adin) contra a medida. Proposta pela Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente) e pela Federação Nacional dos Engenheiros Ferroviários (Faef), tem como litisconsorte ativa a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) e amicus curiae (amiga da tese) a FNE. “A MP sancionada está sub judice. A Adin foi acolhida e distribuída pelo ministro Dias Toffoli (do Supremo Tribunal Federal, atualmente vice-presidente do órgão). Transmitimos nossos questionamentos ao Presidente (da República) e o que representaria a MP para o setor e o País. As respostas não contribuíram para solucionar o problema. O ministro ficou muito preocupado, agora está nas mãos dele. Esperamos provocar reflexão sobre a loucura feita com o patrimônio ferroviário, transformando o setor numa colcha de retalhos”, detalha Clarice Maria de Aquino Soraggi, diretora Regional Sudeste da FNE e vice-presidente da Faef.

Segundo o advogado Jonas Matos, assessor jurídico da CNTU, em suma, o ato normativo recém-sancionado “não observou os problemas concretos existentes atualmente na administração da malha ferroviária pelas concessionárias que exploram o serviço”. Pelo contrário: privilegiou o interesse privado em detrimento do público, em afronta à Constituição Federal. “Os contratos foram muito mal feitos, e a MP não altera em nada isso. Permitiram que as empresas fechassem trechos, em prejuízo do mercado interno. Nossa engenharia está sendo desrespeitada há muito tempo. Quando há projetos, são de curto prazo, não de Estado”, salienta José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da FerroFrente. Ele exemplifica: “Temos ferrovias inauguradas há três anos, como o trecho Norte-Sul de Anápolis (GO) a Palmas (TO), de cerca de 850km, que até hoje não funciona.” E continua: “O modelo é ruim, cria, mantém, estimula e favorece o monopólio privado. Podemos discutir modelo de negócios para atrair investidores estrangeiros, mas o projeto deve atender o interesse do nosso país, não apenas o lucro deles.” Grave problema na lei é que “não equaciona a questão do direito de passagem (de terceiros pela via concedida)”, ratifica Soraggi. Sem definir critérios ao compartilhamento da malha por operadores independentes, por exemplo, manteria o dano patrimonial. “Ou seja, a doação disfarçada de concessão.”

Raio X do setor
Gonçalves cita ainda que a MP prevê “renovação da outorga sem incluir inventário da situação das ferrovias no Brasil, quantas estão desativadas, quantos vagões temos, quais as bitolas. Queremos um raio X do setor, e a engenharia deve liderar isso. Ferrovias são estratégicas”. Isso viola vários artigos da Constituição, conforme ressalta Matos: “Permite a comercialização, pelas concessionárias, de trilhos e vagões desativados, bem como de bens eventualmente sucateados ou não operacionais pertencentes ao patrimônio público.”

Soraggi revela que quando foram feitos os contratos, “as concessionárias tiveram todo o tempo do mundo para conhecer trechos viáveis ou não. O preço negociado levou em conta os pontos negativos. O que vimos foi que, ao assumirem, abandonaram imediatamente os trechos que eram obrigadas a cuidar ou devolver na mesma situação. Havia 28 mil quilômetros em operação e hoje há menos de 15 mil. É um patrimônio público perdido”. A dirigente indigna-se: “Ganharam agora um bônus de 20 anos e nem esse arrendamento querem pagar. As poucas situações que o governo está questionando mediante processos judiciais vão perder objeto. Ou seja, a lei não resolve o desmonte provocado pela modelagem adotada antes, ao contrário, aprofunda e perdoa pelo abandono. É um grande presente às concessionárias.” Ela cita o caso da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que “reúne o maior montante de problemas”. Soraggi exemplifica: “A maior parte da linha do Rio de Janeiro e mineira e um pedaço de São Paulo foram abandonados, o que representa simplesmente 88% de sua malha. São bilhões em processos, uma parte ficou por isso mesmo.”

A MP sancionada por Temer também não prevê recuperação da capacidade técnica perdida com a privatização. “O conhecimento não pôde ser transmitido, devido ao desmonte e saída dos profissionais experientes, e continua a se perder. Não conseguiremos mudar isso sem trazer o pessoal que foi descartado para formar nova geração.” Sem solucionar problemas prementes, Soraggi não crê na promessa de investimentos com a medida.
Ela frisa: “Fala-se muito que o Brasil precisa de um grande plano nacional para o setor e que é necessário modernização. Tem no papel, mas não se executa.” E conclui: “As ferrovias no País têm mais de 160 anos, já chegamos a contar 58 mil quilômetros. A primeira estrada, no Rio de Janeiro, ao fundo da Baía de Guanabara, é recanto histórico. Não morreu ainda porque nós, ferroviários, fazemos a restauração. Tem-se a mania de que o antigo é obsoleto, porém não se faz o novo e acaba-se com o que existe.”