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Uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovada em reunião pública na sexta-feira permitiu que as distribuidoras de energia elétrica avancem com vantagem sobre um mercado de trabalho estritamente profissional dos engenheiros e cobrem por serviços extras prestados ao consumidor na conta de luz. A decisão polémica sofreu a resistência dos engenheiros através da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) que vem mobilizando contra a proposta e que, na reunião, assegurou algumas modificações, como a necessidade de comprovar solicitação dos serviços pelo consumidor e prazo para a autorização passar a vigorar para várias atividades, dependendo de novas regulamentações.

O assunto em pauta foi a prestação de atividades acessórias pelas empresas de distribuição de energia elétrica, que acabou aprovada apesar dos protestos. São obras de engenharia realizadas em estabelecimentos residenciais e comerciais e consertos em residências, que já foram motivo de polêmica no Ceará entre 2004 e 2009, quando serviços desse tipo foram oferecidos pela Companhia Energética do Ceará, através do programa Coelce Plus. O programa despertou reação de parlamentares e de representantes dos engenheiros e acabou sendo suspenso por falta de regulamentação dos serviços, por parte da própria Aneel.

A presidente do Sindicato dos Engenheiros do Ceará, Thereza Neumann participou da reunião pública representando a FNE e lamentou a decisão da agência. "Na nossa visão, nenhum dos serviços de engenharia deveria ser feito diretamente por concessionárias de energia aos consumidores, por todas as vantagens que elas têm, tornando impossível a concorrência”, afirma Thereza.

Tempo para mobilizar

Por ferir interesses de consumidores e prejudicar a concorrência no mercado profissional, Thereza Neumann avalia que é preciso mobilizar contra a decisão. Para isso, os engenheiros conseguiram ganhar algum tempo. a categoria obteve uma vitória parcial ao conseguir que a Aneel adiasse para 2014 a decisão sobre regulamentar ou não alguns desses serviços acessórios: elaboração de projeto, construção, expansão, operação, manutenção ou reforma de subestações de energia elétrica, instalações elétricas internas de unidades consumidoras, bancos de capacitores e geradores, incluindo-se unidades de microgeração e minigeração distribuída.

“Essa ressalva nos dá tempo para mobilizar a sociedade, contando com o apoio dos parlamentares, para imediatamente denunciarmos essa situação e buscarmos todos os meios possíveis para revertê-la”, acrescenta Thereza, citando audiências solicitadas pelo deputado federal Chico Lopes (PCdoB-CE), na Câmara Federal, e ações judiciais contra a aprovação da ANEEL à prestação de serviços acessórios. “Essa luta é em favor da sociedade de uma forma geral, pela preservação da concorrência”.

Pedidos de audiência

O deputado federal Chico Lopes , membro da Comissão de Defesa do Consumidor e da Comissão do Trabalho, da Câmara Federal, defende que a medida seja revista com urgência. Para isso, o parlamentar apresentou pedidos de audiência em três comissões da Câmara Federal: de Trabalho, de Minas e Energia e de Defesa do Consumidor.

“Como é que alguma empresa de engenharia vai concorrer com empresa do porte da Coelce, que tem toda uma estrutura física, de equipamentos, de pessoal, além de ter toda a população como cliente, possuindo cadastro de dados de todas as unidades residenciais, comerciais, industriais e agrícolas?”, questiona Chico Lopes.

Para ele, a tendência é que as empresas de energia passem a dominar o mercado desses serviços de engenharia, cobrando seus serviços nas contas de luz todo mês, o que é outra vantagem que nenhuma outra empresa tem. Isso gera um desequilíbrio no mercado, que é muito grave. Uma única empresa pode passar a ditar o preço dos serviços, prejudicando tanto os outros profissionais quanto o consumidor”, alerta o deputado, lamentando a decisão da diretoria da Aneel. “Mais uma vez, a agência age contra o consumidor e a favor dos lucros das empresas de energia em todo o País”.

"Existe ainda o risco de as empresas de energia passarem a dedicar tratamento diferenciado aos consumidores, privilegiando os que contratassem outros serviços com elas e prejudicando os que optassem por outras empresas ou profissionais", adverte Lopes, defendendo mobilização da sociedade para reverter a decisão da ANEEL e para impedir que a prestação de outros tipos de serviço pelas empresas de energia seja autorizada a partir de 2014, possibilidade mencionada em nota publicada nesta sexta-feira pela Aneel, a respeito do tema.

O que a Aneel aprovou

Além da autorização para que as distribuidoras ofereçam serviços acessórios, foram aprovados também percentuais de captura das receitas que serão obtidas pelas distribuidoras com estas atividades e que, de acordo com a agência, contribuirão com a modicidade das tarifas.

De acordo com a Aneel, a resolução apresenta, entre outros aspectos, os seguintes pontos de interesse dos consumidores:

- A prestação e a cobrança de atividades acessórias estão condicionadas à prévia solicitação do titular da unidade consumidora ou seu cônjuge, por escrito ou por outro meio em que possa ser comprovada.

- A cobrança de atividades acessórias pode ser feita por meio da fatura de energia elétrica. Os valores cobrados na fatura de energia elétrica devem ser devidamente identificados e discriminados.

- Deve-se incluir na fatura, junto à discriminação do produto ou serviço cobrado, o contato telefônico do terceiro responsável, quando for o caso.

- O consumidor pode solicitar a qualquer tempo, diretamente à distribuidora, o cancelamento de cobrança de terceiro que seja feita por meio da fatura de energia, sem a necessidade de contato prévio ou aval do terceiro responsável pela prestação do serviço ou produto.

- A solicitação de cancelamento de outras cobranças pode ser feita diretamente junto a distribuidora, inclusive quando se tratar de cobranças de terceiros.

- O consumidor não poderá ter o seu fornecimento de energia suspenso em virtude de outras cobranças que estejam incluídas na sua fatura. Se o consumidor ficar inadimplente e possuir outras cobranças em sua fatura, a distribuidora deve encaminhar uma nova fatura sem as demais cobranças.

- No caso de suspensão do fornecimento por inadimplemento, a religação não deve ser condicionada ao pagamento de valores relativos a atividades acessórias.

- Cobranças indevidas acarretam a devolução em dobro dos valores cobrados e já pagos, acrescidos de atualização monetária e de juros de mora, sem a hipótese de engano justificável.

- Caso ocorra o inadimplemento do consumidor, a cobrança de multa ou juros de mora de serviços ou produtos relacionados com as atividades de terceiros deverá observar as condições contratuais específicas estabelecidas com o consumidor, ou seja, o inadimplemento não enseja a aplicação automática da mesma multa ou juro definidos para o serviço de energia elétrica (ver art. 126 da Resolução Normativa nº 414/2010).

- A arrecadação de contribuições e de doações para atividades beneficentes pode ser viabilizada pela distribuidora de forma gratuita para as entidades de filantropia ou assistência social, sem fins lucrativos, que sejam legalmente reconhecidas.

Algumas atividades, relacionadas com serviços de engenharia, não poderão ser oferecidas ou prestadas pelas distribuidoras enquanto não houver regulamento específico disciplinando a questão da análise prévia de projetos, usualmente exigida pelas distribuidoras em obras de grande porte. Estas atividades, que deverão ser discutidas com a sociedade em 2014, são a elaboração de projeto, construção, expansão, operação, manutenção ou reforma de: i) subestações de energia elétrica; ii) instalações elétricas internas de unidades consumidoras; iii) bancos de capacitores; e iv) geradores, incluindo-se unidades de microgeração e minigeração distribuída.

A norma aprovada foi objeto de duas audiências públicas (047/2012 e 056/2013) e contou com sessões presenciais em Belém, Salvador, Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Cuiabá, Brasília, Florianópolis e Porto Alegre.

FNE com Aneel e Mandato Chico Lopes

Autor: Foto: O Povo