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A integração latino-americana se dá numa configuração internacional muito violenta e instável, composta pela crise econômica, que já dura seis anos, o deslocamento do capital e a disputa de poder entre os Estados Unidos e a China. A observação é do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, palestrante do primeiro painel do seminário da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), “Integração Latino-americana dos trabalhadores universitários”, na manhã desta quinta-feira (22/5), na sede do SEESP, na Capital paulista, que abordou o cenário geopolítico da América Latina e do mundo.

“A situação para os países em desenvolvimento é muito difícil por conta da crise econômica iniciada em 2008 e que se prolongará no tempo”, observa Guimarães, esclarecendo que todos os países latino-americanos estão nessa posição. Ele lembra que a crise não afetou igualmente empresários da indústria e do sistema financeiro e trabalhadores, sendo que os primeiros, ao contrário do que se diz, saíram muito fortalecidos. “Os trabalhadores são os maiores afetados e prejudicados.”

Um pouco antes de 2008, vários países do continente viram ascender, pela via democrática, governos progressistas, como Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Bolívia, Equador, Venezuela e alguns da América Central, que implantaram políticas sociais de transferência de renda e investiram na recuperação de suas infraestruturas físicas e no desenvolvimento industrial e econômico. “Aí veio a crise e o fenômeno China”, ressalta, criando um novo tensionamento no mundo, com o capital fazendo um grande deslocamento em direção ao país asiático. “Para a empresa não importa fechar uma unidade na Itália e reabri-la em outro país, porque o desemprego e o problema social criados ficam para o governo.”

Nesse sentido, se cria uma disputa mundial, onde os Estados Unidos, cita o embaixador, sentindo o desafio chinês, vai reorientar sua política àquele continente, reforçando, por exemplo, suas relações com o Japão e a Austrália e outros países da Ásia central. Essa é a natureza política da questão, por isso, Pinheiro lembra que os EUA mantêm, no mundo, seis comandos militares, sendo que o do Pacífico, situado em volta da China, tem 325 mil homens, 180 navios e mais de mil aviões ultramodernos de combate.

Ao mesmo tempo, o governo estadunidense impõe ao mundo um “regime” de intervenções para mudar governos eleitos, não mais com a força militar direta, mas insuflando movimentos oposicionistas, como são os casos da Venezuela e Ucrânia, no momento. Mas também fazem isso, observa, com os demais governos progressistas latino-americanos, com a conivência da imprensa comercial. “Todos estão em maior ou menor ataque como esse, atualmente. Fazem isso direto com o governo argentino”, critica.

América Latina em disputa
Dentro deste quadro internacional, os países do nosso continente estão em permanente disputa econômica, observa Pinheiro. De um lado, é a política do estado mínimo, da privatização e desregulamentação de tudo, deixando ao mercado a regulação da economia e a criação do emprego e riqueza "para todos", ironiza, acrescentando, na mesma linha, "que se não gerar azar, o que é que vai fazer. É o que estão dizendo lá na Grécia”. Já adotaram essa condução, segundo o embaixador, todos os países da América Central, Peru, México, Colômbia, Chile e República Dominicana. “Todos assinaram acordos de livre comércio com os Estados Unidos”, afirma.

Na outra ponta, prossegue no seu raciocínio, está a política onde o Estado é importante na promoção do desenvolvimento econômico, regulamentando as atividades, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, investindo na infraestrutura e promovendo o comércio exterior, aqui estão Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Venezuela e Equador.

Riscos ao Mercosul
Sobre o Mercado Comum do Sul (Mercosul), Pinheiro diz que ele corre sérios riscos com a negociação de um acordo de livre comércio com a União Europeia, em bases ainda pouco esclarecidas, segundo ele. Para o diplomata, esse acordo – “que está sendo propulsionado pelo governo brasileiro” – é um equívoco extraordinário, pois estabelecerá zero das tarifas alfandegárias, reduzindo totalmente a proteção à atividade produtiva instalada no Brasil. “Esses acordos tratam, também, de investimento, de propriedade intelectual, de serviços e de compras governamentais”, alertou.

Ele não tem dúvida que esse tipo de tratado afetará diretamente a economia do País, a engenharia e a indústria brasileiras, com grande impacto, inclusive, nos trabalhadores de formação universitária. À assinatura desse acordo, adverte, poderão ocorrer mais tratados nessa perspectiva entre outros países do continente e os Estados Unidos.

Raça cósmica
À abertura do seminário, o presidente da CNTU, Murilo Celso de Campos Pinheiro, exultou a importância do evento como forma de estabelecer laços importantes entre os trabalhadores dos países da América Latina, discutindo propostas e reivindicações comuns para o fortalecimento não apenas das categorias profissionais dessas nações, mas também para garantir sociedades mais justas e democráticas. A vice-presidente Gilda Almeida, uma das coordenadoras do evento, juntamente com Wellington Melo, ressaltou que os trabalhadores desses países precisam ter mais voz ativa nas discussões de integração econômica, com o propósito de também apresentar suas ideias. “Precisamos nos empoderar do tema da integração”, conclamou.

O consultor sindical João Guilherme Vargas Netto lembrou que, na Revolução Mexicana, de 1910, com toda a tragédia que ela conteve, emergiu um grande intelectual, José Vasconcelos, pouco conhecido entre os brasileiros, que teve uma trajetória de vida muito acidentada, apoiando o franquismo na Espanha, “porém, na sua vitalidade inicial, como ministro da educação da revolução mexicana, tentou difundir a ideia, em nosso continente, da raça cósmica, aquela que encarna o mundo e que desenvolve ideias de futuro e de transcendência de valores”. Ao mesmo tempo, Netto lembrou que nós, brasileiros, criamos o Darcy Ribeiro, na toada de Vasconcelos, que formulou o conceito de “Roma tropical”, envolvendo os povos do continente latino-americano. “A CNTU vem agora praticar essa transcendência e resgatar esses valores.”

Confira aqui a programação do seminário que termina nesta sexta-feira, 23. O evento está tendo transmissão online ao vivo neste link.

Fonte: noticia-governos_progressistas_da_america_latina_estao_sob_ataque_permanente-104712_23052014

Autor: Rosângela Ribeiro Gil/ Imprensa – SEESP