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“O Globo” desta quarta-feira publica ampla matéria sobre os sete diferentes projetos de estudo e exploração da Lua. O ponto de partida é a notícia de que o Japão anunciou, na segunda-feira, o plano de pousar uma nave espacial no nosso satélite natural na próxima década.

Isso explica por que os japoneses lançaram, em 14 de setembro último, uma sonda lunar que já se encontra em órbita lunar. É a preparação do caminho para ir até lá e operar in loco, a partir de 2025.

A Índia também está no páreo. Deve lançar uma nave não-tripulada à Lua no ano que vem e cogita ter um astronauta em solo lunar em 2020.

A China deve lançar uma sonda lunar, ainda este ano, e desembarcar uma nave na Lua em 2010.

O Reino Unido, por sua vez, parece ter acordado para o espaço, após décadas de modestas atividades. Os ingleses informaram que enviarão uma missão não-tripulada à Lua em 2010.

A Rússia busca avidamente se recuperar da devastação sofrida durante o calamitoso período Yeltsin para toda a C&T no país, nos anos 90, logo após a dissolução da União Soviética. E pretende desembarcar na Lua em 2025 e lá se estabelecer a partir de 2028.

Os EUA, através da Nasa, planejam orbitar a Lua com um satélite em 2008 e promover o retorno de astronautas à superfície lunar em 2020, com planos de assentamento que já se encontram em fase de simulações e detalhamento técnico.

O Programa “Nova visão espacial”, lançado pelo presidente Bush em janeiro de 2004, não deixa por menos: fala em retornar à Lua para ficar, estabelecer bases, depois ir a Marte, e, a seguir, “além”.

Claro que as dificuldades para tanto, a começar pelas financeiras, não são nada pequenas. Muito pelo contrário.

Por isso, certamente, a direção da Nasa enfatiza, cada vez mais, a necessidade de participação de outros países, sobretudo os europeus. Mas estes não revelam grande entusiasmo com a idéia.

Entrementes, a empresa Google patrocina o prêmio de US$ 30 milhões para a iniciativa privada ou organização não-governamental que conseguir pousar e mover na Lua um artefato não-tripulado.

As notícias, portanto, caracterizam claramente uma nova corrida à Lua, bem mais ampla e ambiciosa do que aquela dos anos 60, quando os EUA e a então URSS competiram para ver quem lá chegaria primeiro.

Pouco se mencionam, porém, sobre os objetivos econômicos e estratégicos de todos estes planos.

É preciso esclarecer ao máximo esta questão, pois ela pode ter grande impacto sobre toda a economia da Terra – dos seus quase 200 países e dos seus mais de seis bilhões e meio de habitantes.

Menos ainda se fala dos problemas políticos e jurídicos que “a conquista da Lua” sem dúvida levanta.

Como será regulamentada a vida dos assentamentos lunares? Quais serão as regras de convivência dos diversos projetos nacionais e empresariais que lá aportarem? Como serão explorados os recursos e riquezas do nosso satélite natural?

Hoje já existe o “Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em outros Corpos Celestes”, aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1979, mas ratificada por apenas 13 países e assinada por cinco.

Apesar do limitado apoio, o acordo está em pleno vigor para os países que o ratificaram.

Ele define que “a Lua e seus recursos naturais são patrimônio comum da humanidade”; estabelece um regime internacional para administrar a exploração destes recursos; e propõe que os frutos dessa exploração sejam divididos entre os países que investiram na exploração e a legião dos países em desenvolvimento.

A idéia, aceita à época na Assembléia Geral das Nações Unidas, era criar um mecanismo capaz de impedir que a exploração da Lua fosse mais um fator a ampliar o fosso que separa os países ricos dos pobres.

Mas isso, logo a seguir, não sensibilizou os EUA e outros países desenvolvidos. Eles se opuseram e continuam de opondo à definição de “patrimônio comum da humanidade” e à divisão das riquezas lunares com os países que não investiram na operação.

Daí que o Acordo da Lua é uma espécie de “lei que não pegou” e alguns juristas o consideram “letra morta”.

“Letra morta” é um exagero brutal. Ele resultou de um debate nas Nações Unidas que se prolongou por mais de dez anos. Não se pode jogar fora dez anos como fosse algo inútil e sem valor.

A experiência é muito rica. Tanto que é a única referência específica sobre como ordenar o processo complicado de assimilação concreta da Lua pelas novas expedições terráqueas.

O Tratado do Espaço, de 1967, a chamada “Carta Magna do Espaço”, a constituição maior das atividades espaciais, que este ano completa 40 anos, reza que tanto o espaço quanto a Lua e os outros corpos celestes não podem ser objeto de “apropriação nacional, por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”.

Hoje há quem pretenda que este princípio deve ser alterado e que se deve introduzir o direito de propriedade privada no espaço para alentar os investimentos das empresas particulares.

A reação negativa a tal proposta tem sido grande. E mostra ser preciso discutir com profundidade as muitas questões que a exploração da Lua nos coloca já agora.

A lei, no caso, deve se antecipar aos fatos – e não ficar a reboque deles. Só assim lograremos evitar conseqüências danosas à vida cotidiana e ao desenvolvimento dos povos e países da Terra.

Por isso, seria de todo conveniente que países como o Brasil assinassem e ratificassem o Acordo da Lua, mesmo tendo restrições a seu texto.

Essa atitude construtiva de apoio ao instrumento, nas condições atuais, representaria uma forma vigorosa de levar a comunidade internacional a debater com o devido empenho os desafios e as variadas implicações da exploração da Lua para o nosso planeta.

Temos razões de sobra para não admitir de modo algum que ocorra na Lua, em Marte e em qualquer outro corpo celeste, o caudal de destruições e crimes contra a natureza que aconteceu e ainda acontece na Terra.

Outro ponto crucial: em lugar de fragmentar e duplicar os esforços para estudar a Lua, por que não promover um programa lunar cooperativo, unindo energias, competências e interesses legítimos do maior número possível de países?

A chegada dos seres humanos à Lua não poderia se transformar em um grande projeto de desenvolvimento científico e tecnológico de todos os povos da Terra, de toda a humanidade?

Por que persistir na lógica de “cada um por si” em pleno século XXI, a era da informação e do conhecimento? Que ganhamos com isso?

José Monserrat Filho é editor do “Jornal da Ciência”, membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial e membro efetivo da Academia Internacional de Astronáutica, autor de “Direito e Política na Era Espacial – Podemos ser mais justos no espaço do que na Terra” (Vieira&Lent, 2007).