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O portal do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul entrevistou seu diretor, engenheiro Carlos André Bulhões Mendes, especialista em hidrografia que investigou Mariana e hoje fala sobre Brumadinho. Confira

As lições deixadas pela tragédia de Mariana em 2015 não foram aprendidas. Pelo menos, não foram consideradas importantes ao ponto de, caso viessem a ser aplicadas, evitassem a repetição daquele desastre, desta vez em Brumadinho, também em Minas Gerais. 

Bulhões MendesEssa é a conclusão que se chega ao conversarmos com o engenheiro Bulhões Mendes, diretor do SENGE e do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, especialista em hidrografia de renome internacional, que investigou de perto as consequências do desastre de Mariana.

Conforme dados citados no site da Federação Nacional dos Engenheiros, existem no Brasil cerca de 24 mil barragens, das quais só 3% foram vistoriadas por apenas um “ínfimo efetivo” de 150 fiscais. A nota da FNE (acesse a íntegra no final da entrevista) ressalta também que não faltam nem conhecimento nem profissionais capacitados para garantir a segurança da população e a preservação do meio ambiente. Falta sim seriedade dos responsáveis por essas estruturas e atuação eficaz dos órgãos públicos encarregados de regular, fiscalizar e punir em caso de inconformidade com as normas estabelecidas.

- Professor Bulhões, todos os elementos presentes no episódio de Brumadinho levam a acreditar que se trata de uma repetição do que aconteceu em Mariana. O senhor concorda?

Na verdade, não é só Mariana. Nós temos aqui no Brasil eventos de rompimento de barragem às dezenas. Mariana, obviamente, atingiu uma escala mundial. Sim, é uma repetição. Eu tive a oportunidade de participar da equipe técnica lá de Mariana, atuando como perito junto ao Ministério Público Federal, do Espírito Santo e de Minas Gerais e houve, inclusive, uma previsão de que outros rompimentos poderiam ocorrer. Brumadinho é mais uma dessa lista.

- Que lições os responsáveis pela estrutura de Brumadinho adotaram a partir do rompimento de Mariana?

Nenhuma. No primeiro momento, como acontece agora em Brumadinho, é o momento de solidariedade, no sentido de resgatar e identificar vítimas, de tentar restabelecer a infraestrutura de transporte, de abastecimento de água, de coleta de lixo, recolocar as crianças na escola, etc. Essas infraestruturas estão todas perturbadas. Pais e mães de família que seriam o sustento de crianças e idosos deixaram de existir. Então, nesse momento de solidariedade é preciso fazer com que, apesar disso, a vida continue para essas pessoas, infelizmente com muita dificuldade. O segundo momento nesse tipo de trabalho é a investigação do nexo causal desse episódio específico, tentando apurar os responsáveis e, obviamente, levantar os custos de ressarcimento de todas as partes envolvidas. E a última parte seriam as lições aprendidas, que envolvem, sim, indagar erros. Um projeto de Engenharia tenta ser o mais exato possível, mas sempre existe uma pequena probabilidade de erro. Porém, a sequência de equívocos, não só de Engenharia, mas da parte operacional, administrativa, nos licenciamentos, nas políticas públicas, enfim, no conjunto de circunstâncias, nada disso foi aprendido. Tanto é que se repetiu com bastante intensidade, lamentavelmente.

- Seria possível sintetizar, do ponto de vista da Engenharia, quais perguntas deveriam ser respondidas pelas investigações visando esclarecer os motivos que levaram a mais esse desastre e a identificação dos responsáveis, diretos e indiretos?

Me surpreendi que, no dia do ocorrido, sexta-feira 25 de janeiro, o diretor presidente da Vale disse lamentar todo o incidente, obviamente, mas também que tinha sido feita uma análise de risco por uma empresa alemã e que esta tinha sido aprovada. Pelo laudo oficial, essa barragem de rejeito era considerada uma barragem de baixo risco. Então isso é sim um atestado de que, enquanto método de análise de risco, o laudo está errado. Está bastante inadequado. Não importa se é uma empresa alemã ou se é a Nasa. O fato é que está equivocado de tal forma que a barragem rompeu. O dilema não é a prática de Engenharia. Só que essa prática, do jeito que está sendo feita, é apenas uma prescrição legal, como os documentos licenciatórios e tudo. Quer dizer, emitem  um pedaço de papel, porque é uma obrigação legal, sem verificar, no princípio, qual a utilidade de se fazer tudo isso.

- Então a gente percebe que existem outras barragens, tanto em Minas, quanto no Brasil a fora, potencialmente vulneráveis como as de Mariana e Brumadinho. Temos motivos para supor que possam haver novos rompimentos?

Sim, é uma suposição bastante plausível. No caso lá de Mariana, ao final das minhas contribuições naquele momento, fizemos uma previsão da existência de 100 a 150 barragens “prontas a explodir”. Brumadinho é mais uma. Então, sim, pode acontecer de novo. Mais uma vez, não vamos discutir a probabilidade. Isso é uma tergiversação típica da defesa das empresas, já que tudo implica em muito custo. Se risco implica em probabilidade vezes o dano, e tem toda a incerteza com relação a avaliação da probabilidade, vamos tentar trabalhar com dano. Ou seja, vamos supor que, por mais ínfima que seja essa probabilidade, se acontecer, o dano é incomensurável. Tanto é que está acontecendo.

- Boate Kiss, Mariana e Brumadinho revelam extrema dificuldade de apontar e punir responsáveis. No Brasil, Engenharia, legislação, fiscalização e poder judiciário são estruturas gigantescas, onerosas, dotadas de capacidade técnica, mas que parecem ser inconciliáveis. Que lhe parece?

No momento atual, a discussão infelizmente é sobre de quem é a culpa. Então, quando a princípio, deveriam estar trabalhando de forma uníssona, como uma orquestra afinada, infelizmente são grupos defendendo interesses. Então, eu não posso enquanto engenheiro, por exemplo, falar mal do meu empregador senão eu corro o risco de perder uma oportunidade profissional. Então, veja, estou exemplificando com isso, e não quero culpar ninguém, mas sim, existe um tremendo antagonismo. Eu acrescento, como aqui no caso do Rio Grande do Sul, que quando chove, inunda, e quando para de chover, vem a seca. Agora em janeiro tivemos boas chuvas, normais para essa época do ano e eu vi nos meios de comunicação que a agricultura gaúcha amargou mais de R$ 600 milhões em perdas porque choveu. Pergunto: qual é o desastre em chover? Será que a gente não consegue conviver com a chuva? Sim, todas essas instituições citadas, ou seja, o judiciário, os órgãos ambientais fiscalizadores, projetistas, empresas, todos têm responsabilidades. A exemplo de um acidente aéreo, ou de qualquer acidente de trabalho, nunca tem um culpado. É uma árvore de causas e de culpas. Só que isso também já é conhecido.

- Uma frase que circulou pelos meios de comunicação e redes sociais, imediatamente após o ocorrido em Brumadinho, cita um morador atingido pela lama afirmou que “se pescássemos uma piava naquele rio poderíamos ser presos, em compensação quem destruiu o rio inteiro continua em liberdade”. A afirmação não é um exagero, certo?

Não é exagero. Quando a lei de crimes ambientais no Brasil foi promulgada em 1998, chamou a atenção e virou alvo de piada que, na semana subsequente, uma equipe prendeu um caseiro de um sítio vizinho a um parque em Brasília porque ele estava tirando a casca de uma árvore no local para fazer um chá. Então os pesos e as medidas são realmente diferenciados. Eu lembro que, também no caso de Mariana, fizemos uma avaliação de custos iniciais de R$ 22 bilhões. Até o momento, foi criada uma fundação que alocou R$ 1,5 bilhão e com muita dificuldade de acesso a estes recursos por parte dos interessados e atingidos. Então, sobre essa afirmação, lamento informar que pode ir preso sim se estiver pescando fora da época com um caniço na beirada do rio.

E no Rio Grande do Sul, temos motivos para estarmos tranquilos? Alguma situação merece uma observação mais atenta dos órgãos de fiscalização?

Qualquer obra de Engenharia na qual não haja manutenção é passível sim de acontecer uma catástrofe. Cito a cidade de Porto Alegre e o sistema contra inundações da Região Metropolitana, projetado, dimensionado e construído pelo antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Na década de 90, esse órgão foi extinto e toda a responsabilidade foi delegada aos municípios, porém sem repasse do custeio. Isso resultou em níveis de manutenção muito baixos. Com relação a barragens, existe um cadastro nacional que indica quais estão em risco, inclusive citando algumas aqui no RS. Eu não vou citá-las porque, mesmo eu conhecendo o cadastro, não estive in loco para avalia-las. Porém afirmo que existem outras estruturas que podem conduzir a dilemas. Em 2013, no trecho entre Novo Hamburgo e São Leopoldo, o Rio do Sinos esteve a um palmo de atravessar o dique de proteção. Se acontecesse isso, 100 mil pessoas estariam desabrigadas, e a BR 116 seria paralisada, ela que é uma artéria fundamental para a economia do Estado. Posso citar outros casos ocorridos também por falta de manutenção: a ponte na estrada para Santa Maria, que caiu em um dia de chuva; o Arroio Moinho, afluente do Arroio Dilúvio, na Capital, onde, num dia de chuva, pessoas morreram e um corpo atravessou a cidade o foi resgatado na beira do Guaíba; também a poluição nos rios, a ausência de manutenção no dique de proteção, a propagação de doenças de veiculação hídrica agora no verão, associadas aos mosquitos. Tudo isso, na minha opinião, é a "crônica da morte anunciada" e as barragens são mais uma materialização dessa falta de cuidado, dessa falta de zelo, dessa irresponsabilidade.

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