O aumento da temperatura global vai provocar mudanças na agricultura e pecuária brasileiras nos próximos anos. Essa é uma das conclusões do estudo “Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira”, elaborado em parceria pela Universidade de Campinas (Unicamp) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Conforme o estudo, no Nordeste, o Agreste e a região do Cerrado serão as áreas mais atingidas. Segundo engenheiro agrônomo Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, um dos coordenadores da pesquisa, isso ocorrerá por causa do baixo volume de água disponível atualmente no Polígono da Seca. “Se pensarmos que o aumento de temperatura fará com que evapore mais água e diminua a quantidade de água nos solos, a agricultura, que já está bem ruim hoje, que é semi-árida, vai ficar ainda pior. Vai ser muito difícil, porque o solo ficará árido. Nem chuva deverá ter mais lá [em volume] suficiente para a agricultura.”
O engenheiro disse à Agência Brasil que o estudo detectou a possibilidade de quebra da produção agrícola no país, principalmente de grãos. “Das culturas que nós vimos até agora, apenas a cana-de-açúcar é que sai ganhando, pelo menos até 2050. Nas outras culturas, a área [plantada] diminui e a produtividade diminui”. Ao contrário do que muitos poderiam pensar, essa expansão projetada para a cana não se deve à produção de etanol. “O etanol é conseqüência”, afirmou Hilton Silveira.
Ele esclareceu que a produção de cana vai aumentar porque a modificação climática continua sendo adequada a essa cultura. “O etanol vai sair ganhando porque o clima vai favorecer a produção de cana”. Embora o Nordeste deixe de produzir mandioca, também conhecida como aipim ou macaxeira, essa raiz poderá ser cultivada na Amazônia, ainda que não imediatamente, com a diminuição das chuvas na região , depois de 2020 e até 2050
“O que a gente está querendo é mostrar que tecnologias a serem desenvolvidas podem fazer com que o fantasma do aquecimento global na agricultura não seja tão ruim. A gente pode adaptar culturas, pode perder plantio ou produção de soja no Sul, por exemplo, e ganhar em cana-de-açúcar”.
O engenheiro agrônomo destacou também a necessidade de que as mudanças do clima preparem as autoridades para outro problema da maior relevância no Brasil, que são as migrações sociais e as dificuldades que isso representará na área da saúde.
Outro problema apontado pelo pesquisador da Unicamp é o fato de que “o Brasil tem uma mania muito grande de deixar acontecer para depois correr atrás”. Daí o alerta que está sendo feito para que o governo e a sociedade possam adotar medidas preventivas com bastante antecedência.
Hilton Silveira afirmou que o estudo tem o objetivo de alertar o governo e a sociedade brasileira como um todo para o fato de que as mudanças climáticas devem ocorrer, “com 95% de probabilidade” e, se nada for feito, o cenário pode não ser nada positivo.
“A idéia é fazer uma previsão de medidas tecnológicas para que isso não aconteça, no caso de os cenários estarem corretos”. Entre as medidas indicadas para a agricultura, ele citou a arborização dos cafezais, o plantio direto, a integração da pastagem com a lavoura.
Essas medidas, segundo Hilton Silveira, além de seqüestrar carbono da atmosfera, fazem com que haja uma proteção ao desenvolvimento agrícola. Ele lembrou que o efeito de adaptações, como o melhoramento genético, é também positivo.
O Brasil deve adotar ações urgentes para evitar o avanço do desmatamento, por exemplo. O aumento da produção de biocombustíveis, como o etanol, vai ter que respeitar todas as regras do zoneamento da cana-de-açúcar no país. “Essas regras consideram a probabilidade climática de você poder cultivar a cana-de-açúcar nas diversas regiões do Brasil, desde que respeite a potencialidade dos solos, o zoneamento ecológico e econômico, as áreas de proteção permanente, as reservas indígenas e assim por diante”.
O pesquisador destacou, ainda, a necessidade de se respeitar as áreas de produção de alimentos básicos. Ele acredita que, no futuro, isso vai se tornar uma indicação governamental, uma política pública. E, com isso, vão sobrar apenas as áreas de cultivo de pastagens degradadas.
As emissões de gás carbônico (CO2) pela agricultura, somadas às do desmatamento de terras para cultivo correspondem a até 32% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa, de acordo com relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Atualmente, o Brasil ocupa a 4ª posição mundial na produção de gases do efeito estufa. Segundo Hilton Silveira, se o país conseguir conter o desmatamento, principalmente na área amazônica, poderá cair da quarta colocação no ranking mundial para a 18ª posição.
Outro fator que diminuiria a contribuição do país para o aquecimento é o fim das queimadas.Para isso, ele destacou a necessidade de medidas governamentais no sentido de proibir essa prática.
O estudo da Unicamp/Embrapa será divulgado hoje (11) à tarde no 7º Congresso Brasileiro do Agribusiness, em São Paulo e, segundo Silveria, não tem o objetivo de criar “terrorismo climático”. (Extraído de matérias de Alana Gandra, Abr)