Possibilidade de atender interesse público, multiplicar as vozes e trazer mais atores ao mercado, a digitalização do rádio enfrenta desafios políticos e tecnológicos para avançar. Quem afirma é o pesquisador Marcelo Kischinhevsky, professor de Pós-graduação em Comunicação e do Departamento de Jornalismo da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Nesta entrevista ao Engenheiro, ele é categórico em afirmar que o futuro desse meio de comunicação popular, presente em nove de cada dez lares brasileiros, depende de se solucionar esse impasse.
Em que pé está a discussão sobre rádio digital no Brasil?
A discussão está emperrada por uma série de fatores. O principal deles é a indecisão do Governo Federal em relação à escolha do padrão a ser adotado no País. Os testes preliminares realizados até o momento por uma série de parceiros e coordenados pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) foram muito decepcionantes, com qualidade de som e sinal digital inferiores ao analógico em alguns casos . Os dois padrões estudados até o momento, que são o HD Radio (americano) e o DRM (europeu), permitem o uso das mesmas frequências utilizadas pelas rádios analógicas. Isso seria interessante para facilitar a migração, mas traz prejuízo em termos de qualidade do ponto de vista técnico. São soluções provisórias, não é uma digitalização plena. Nas reuniões do Conselho Consultivo da Rádio Digital, em que estão representados indústria, Governo, academia, sociedade civil, há muitas interrogações, e a possibilidade de uma decisão rápida é praticamente nula. Há muitas dificuldades a superar para que a gente tenha um padrão de rádio digital que atenda as demandas do País.
Tem-se uma dificuldade para chegar ao melhor padrão tecnológico porque todos ainda estão em desenvolvimento. E tem-se um problema político. O rádio digital, assim como a TV digital, oferecia uma possibilidade de multiplicar as vozes, trazer mais atores para o mercado de radiodifusão para aumentar, por exemplo, a participação do setor público ou de emissoras comunitárias, mas essa questão latente não tem se realizado.
Mudar isso passa por uma nova lei de radiodifusão?
Passaria por uma decisão por um padrão de rádio digital que contemplasse os diversos interesses e uma nova regulamentação do setor. Hoje tem-se um acúmulo de legislações que remontam ao Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, muitas delas se superpondo e se anulando, o que acaba provocando uma espécie de regulação frouxa. Reportagens mostraram que grande número de emissoras comerciais no País operava com as concessões vencidas e existe um descontrole do Governo, dos órgãos reguladores, que não estão equipados para dar conta disso. Ao mesmo tempo, há uma demanda muito grande da população por um meio de comunicação que seja mais plural, então a gente tem essa equação para solucionar. O rádio digital possibilitaria isso, agora, do jeito que está colocada a discussão, com a concorrência entre dois padrões, o que ocorre é que a gente não vai ter a convergência plena de mídia. Tem um padrão nipo-brasileiro de TV digital, mas não é o mesmo pensado para rádio digital. Tem problemas comerciais com o padrão japonês, que não poderia operar nas mesmas frequências, teria que haver migração, mas por que não discutir isso, por que não pensar no potencial que a gente vai ter com a TV digital, de 200 milhões de aparelhos receptores que poderiam centralizar também as emissoras de rádio digital? Acho que essa opção deveria ser considerada. Obrigar as pessoas a comprar um receptor digital que só pegue rádio me parece oferecer muito pouco para o consumidor no momento em que ele já está experimentando a convergência em outros dispositivos, em outros suportes.
Existe um debate dentro da academia sobre adequações nacionais a um padrão de fora, como foi feito com relação à TV digital?
Alguns pesquisadores chegaram a falar num sistema brasileiro de rádio digital, mas me parece muito mais uma discussão no campo das ideias do que a tentativa de se fazer uma política pública para isso. Mas acho que seria uma discussão chave para que houvesse desenvolvimento tecnológico no Brasil, pudesse se gerar empregos, negócios. Poderia ser uma oportunidade importante de que inclusive, adotando um padrão que fosse inovador e de ótima qualidade, houvesse uma aceitação em outros países de dimensões continentais, como é o caso do nosso, de exportar essa tecnologia. Falo de uma discussão para apresentar soluções a um padrão híbrido que pudesse atender as demandas específicas deste País que é o maior consumidor de rádio, presente em 90% dos lares. Entre elas, o interesse público, a diversidade cultural, o alcance equivalente ou superior ao analógico, a pluralidade de atores no mercado, a possibilidade de digitalização também das emissoras comunitárias, que hoje representam mais da metade das mais de 9 mil emissoras em operação no País e estão à margem. Essas demandas foram apresentadas no Governo Lula ao então ministro das Comunicações, Hélio Costa, por uma comissão de pesquisadores. Ele curiosamente acolheu as reivindicações e, antes de deixar o Governo, incluiu-as nas diretrizes do sistema brasileiro de rádio digital a ser implementado.
O problema é que não avança?
Não avança e há muitas incertezas, os investimentos em transmissão estão paralisados há anos, esperando uma decisão do poder público. Isso é ruim para todo mundo. Não se vendem receptores de rádios, todas as linhas de produção estão paralisadas, muitas dispensando seus funcionários. Essa indústria emprega direta ou indiretamente mais de 300 mil pessoas, segundo estimativas da Fundação Getúlio Vargas. O Governo tem que tomar a decisão do que é melhor para que se façam os estudos complementares necessários. Está em jogo o futuro do rádio, enquanto meio de comunicação popular. (Soraya Misleh)
Matéria retirada da edição 131 do Jornal Engenheiro, clique aqui para conferir!