Se mais de 84% da população brasileira vive nos centros urbanos, discutir as cidades é colocar em pauta o País. Com esse fio condutor, proposto pelo consultor da FNE, Artur Araújo, aconteceu o seminário que marcou o lançamento de mais uma etapa do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, cujo foco é a qualidade de vida nos municípios e o desenvolvimento local. Promovido pela federação em parceria com o Clube de Engenharia, o evento foi realizado na sede desse último, no Rio de Janeiro, em 29 de junho.
O debate em torno das cidades está sistematizado em uma publicação, elaborada a partir de notas técnicas sobre os temas: habitação, saneamento, mobilidade, iluminação pública e internet pública. Integram ainda o trabalho diagnóstico e propostas para o financiamento dos municípios. A questão foi outro ponto essencial destacado por Araújo. Como solucionar a brutal falta de recursos sem aumentar a carga tributária ou reduzir a oferta de serviços? “Isso coloca um desafio que é da engenharia: o aumento da produtividade”, defendeu ele.
Autor da nota técnica que se propõe a responder à complexa questão, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marco Aurélio Cabral Pinto defendeu repensar a forma como as prefeituras têm acesso às verbas disponíveis, usualmente por meio de emendas parlamentares. “O dinheiro existe, só está sendo mal equacionado pela nossa tradição política”, disse. Conforme ele, os estados deveriam dar suporte técnico aos municípios para a formulação de projetos qualificados e os bancos públicos avaliarem os projetos e decidirem quanto à melhor combinação entre recursos reembolsáveis ou não, levando em conta o perfil da localidade.
Diversidade
A correta avaliação das características das cidades é essencial para se definir também as intervenções a serem feitas, ponderou Jurandir Fernandes, ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo. Ele lembrou que apenas 300 localidades no País têm mais de 100 mil habitantes e somente nessas a mobilidade é um fator problemático, que demanda soluções mais caras.
Independentemente do porte das cidades, Fernandes destacou como essencial o planejamento do uso e ocupação de solo – que não pode ficar à mercê da especulação imobiliária – para que não se gerem deslocamentos desnecessários. Medida útil também é a desburocratização, com integração da gestão e informatização, sugeriu.
O secretário de Planejamento, Habitação e Urbanismo de Duque de Caxias, Luiz Edmundo Costa Leite, também frisou as dificuldades da gestão municipal diante de regras comuns para realidades díspares. “A diversidade é brutal; existem São Paulo, com 12 milhões de habitantes, e Borá, com 800. E estamos sempre sujeitos às políticas que vêm de Brasília.”
Para Vicente Loureiro, diretor executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Rio de Janeiro, é urgente alterar a maneira “doentia” como são reproduzidas cidades. Conforme ele, um exemplo dessa realidade é o fato de no Rio de Janeiro terem sido construídas, nos últimos seis anos, 150 mil unidades habitacionais pelo “Minha casa, minha vida”, com investimento de R$ 12 milhões, e mesmo assim não se ter conseguido frear o “crescimento informal, sem controle urbanístico ou infraestrutura”. Até por isso, enfatizou, a iniciativa do “Cresce Brasil – Cidades” é oportuna, porque pode ajudar a transformar essa realidade.
Engenharia Unida
O objetivo do esforço empreendido pela FNE, pontuou o presidente da entidade, Murilo Celso de Campos Pinheiro, desde que o projeto foi inaugurado em 2006, é precisamente contribuir para mudar o País para melhor. O “Cresce Brasil – Cidades”, informou, será entregue aos candidatos a prefeito, nos diversos municípios, nas eleições 2016. Para ele, esse é um dever que se impõe aos profissionais da área tecnológica. “Temos a obrigação de discutir as questões da sociedade, apresentando propostas factíveis. Temos que unir as nossas entidades, pois somente com a ‘Engenharia Unida’ podemos ter um Brasil melhor. Temos mais de 1,5 milhão de profissionais, precisamos juntar forças”, afirmou.
O papel central da engenharia no desenvolvimento nacional e na boa gestão das cidades foi corroborado pelas demais lideranças e autoridades que prestigiaram a atividade, como Pedro Celestino Pereira, presidente do Clube de Engenharia; o coordenador técnico do “Cresce Brasil”, Carlos Monte; os presidentes dos conselhos Federal (Confea) e Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), José Tadeu da Silva e Reynaldo Barros; o secretário municipal de Desenvolvimento e Gestão de Rio Branco, Ricardo Araújo; e o deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL), autor da proposta de formação da Frente Parlamentar Mista de Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional.
Carreira e gestão
Completou a programação o painel que abordou a necessidade se resgatar a engenharia na gestão pública, que teve a participação de Renato da Silva Almeida e Marcio Queiroz Ribeiro, ambos conselheiros do Clube de Engenharia; Nilo Ovídio Lima Passos, presidente da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (Seaerj); Antonio Octaviano, diretor do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec); e Carlos Bastos Abraham, vice-presidente da FNE.
A discussão lembrou a necessidade de haver critérios técnicos e não meramente políticos na administração das cidades, assim como capacitação dos profissionais que atuam no serviço público, que precisam de condições de trabalho adequadas e remuneração justa. Nesse sentido, é urgente que se assegure piso salarial compatível com a Lei 4.950-A/66 (de seis salários mínimos para jornada de seis horas e de nove para jornada de oito). Imprescindível ainda a criação da carreira pública de Estado para engenheiros e arquitetos, conforme previsto no PLC 13/2013, cuja tramitação no Senado continua estacionada.
Rita Casaro
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