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Cresce Brasil

Imagine uma película com espessura de um quinto de fio de cabelo, tão resistente quanto uma folha de alumínio e que pode ser esticada até 25% de seu tamanho original -sem se romper. É o mais perto que engenheiros de materiais chegaram de seu Santo Graal, entre eles um brasileiro que aprendeu a ouvir atentamente as lições ensinadas por pérolas e conchas.

André Studart, 33, orgulha-se de ser um pesquisador que fez toda a formação -até o doutorado- no Brasil. Mais precisamente, na Universidade Federal de São Carlos. Mora há seis meses em Cambridge (EUA), para pesquisar na Universidade Harvard, mas viveu por cinco anos e meio em Zurique, na Suíça. Quer regressar, mas depende das condições no país e de uma deliberação familiar.

Seria uma pena se não voltasse. Em seu currículo carrega três patentes de novos materiais e 45 artigos científicos. Entre eles o que foi publicado há nove dias no periódico americano "Science", intitulado "Projeto e Montagem Bioinspirados de Filmes de Polímeros Reforçados com Plaquetas".

Nos meios especializados, o trabalho que Studart desenvolveu com Lorenz Bonderer e Ludwig Gauckler, ainda no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH, na abreviação em alemão), foi saudado como uma façanha de biomimetismo. Sabe aquele lugar-comum de arte imitando a vida? Pois é. O brasileiro e seus colegas suíços buscam inspiração na engenharia viva de pérolas e conchas.

Quem já catou sapinhoás (berbigões) nas praias de Ubatuba sabe o quanto são duras as conchas desses moluscos bivalves. O segredo de sua resistência é o mesmo das pérolas: a madrepérola, ou nácar. Camada sobre camada de microplaquetas de carbonato de cálcio unidas por um polímero natural, como tijolos de cerâmica ultra-resistente mantidos no lugar por um cimento maleável.

Eis o pão e o vinho dos engenheiros de materiais: uma substância com a dureza do vidro e a flexibilidade do plástico. No seu jargão, com alta resistência mecânica e alta tenacidade (ductibilidade). Ou seja, uma coisa que agüente muita pressão, por ser capaz de absorver boa parte da energia ao deformar-se, sem quebrar.

Studart e companhia confiam na estrutura das conchas e das pérolas, mas preferem outros materiais. "O espectro disponível para a natureza é bem menor que o nosso", disse o cientista brasileiro. "O carbonato de cálcio é muito frágil e pobre."

Eles substituíram o material das conchas, que não passa de um primo do giz, por plaquetas de alumina (óxido de alumínio, Al2O3). Como cimento os pesquisadores usaram quitosana, um biopolímero obtido de cascas de crustáceos, como camarões.

Copiando e melhorando o desenho natural, chegaram à película com resistência mecânica duas vezes maior que a de conchas. Ela se deforma até 25% antes de romper (conchas só se deformam de 1% a 2% até quebrar).

A alumina, mais resistente, permitiu reduzir a 10% a quantidade de plaquetas (conchas têm até 95% de carbonato de cálcio). O filme alcança a resistência do aço, mas com metade do peso.

Um pesquisador militar americano já fez contato, para saber se teria aplicação em capacetes e coletes à prova de bala. Poderá um dia ser usado em implantes ortopédicos e dentários, fios de sutura ou qualquer coisa que exija alta resistência combinada com biocompatibilidade. Ou em peças de aviões que, mais leves, gastarão menos combustível. Há mais coisas entre o mar e o céu do que podia sonhar -até agora- a nossa velha engenharia

Artigo publicado em 2 de Março na Folha de S. Paulo

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